segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

BRECHERET É BRASILEIRO

– Qual deve ser a atitude do artista, diante da guerra e dos problemas sociais? 
– Uma atitude nacionalista e humana.
Brecheret, respondendo ao Dom Casmurro, Rio, 1942. 


ARACY AMARAL, in Artes Plásticas na Semana de 22, Ed. Perspectiva, pg. 240, diz que Victor Brecheret nasceu em Farnese de Castro, província de Viterbo, Itália, a 22 de fevereiro de 1894. Ainda menino veio para o Brasil com sua irmã Ercília, graças à avó materna, aqui residente. Para a família (foi) sempre Vittorio, conseguiu, contudo a documentação de brasileiro nato graças a amizades influentes (sobretudo D. Veridiana Prado), passando a assinar-se Victor Brecheret. Na família, permaneceu um segredo tático a questão da nacionalidade italiana, enquanto o artista ainda em vida.

Luiz Fernando Gama Pelegrini, casado com a filha de Brecheret, Sandra, mostra a Certidão de Nascimento de Victor Brecheret e Paulina Nanni Brecheret, registrado a 14 de agosto de 1930, sendo declarante Hugo Nanni, e, testemunhas, Vicente Varcas e Antonio da Silva, proprietários e residentes no 20º Distrito do Jardim América. Registro no Livro A – 6, folha 248, n.º 834, Cartório do Registro Civil, Praça Bendito Calixto, 74, Pinheiros, com o clássico “O referido é verdade e dou fé”. O proprietário do Cartório refuta, se insurge e defende a lisura do assentamento e qualquer irregularidade de emissão de certidão. 

– Está tudo certo, claro, legal. Quem duvidar, interpor, protestar, acionar, terá de haver-se com o Código Penal, com a lei brasileira – diz, convicto, o advogado/genro Luiz Fernando Gama Pelegrini.

Sandra Brecheret Pelegrini, num depoimento sentido: – Papai veio do nada. O que fez foi sozinho, era um autodidata. Estudou no Liceu de Artes e Ofícios, aqui, e com o escultor Dazzi, na Itália. Construiu sua arte genial com grande esforço, retratado em muitas de suas obras, como, por exemplo, o épico “Monumento às Bandeiras”, realizado durante 34 anos, inaugurado incompleto segundo o projeto original, e pelo qual pouco ganhou, ao longo do tempo. Não foi ele apenas um marco na história da arte moderna, mais precisamente da Semana de 22, mas, também, sua obra, principalmente a estatuária das pedras, inspiradas na cultura indígena/marajoara, continua extremamente vanguardista e arrojada. Recentemente, Brecheret foi citado, em 37 linhas, no “Dicionaire des Peintres – Sculpteurs”, de E. Benezit, Nouvelle Edition, 1976, Librairie Grund, Paris, como um dos maiores escultores do mundo neste século. Foi um homem que conheceu a fome, durante a 1ª Guerra mundial. Falava pouco e observava muito, gostava da família, da chácara de Osasco, da casa de São Vicente, da fazenda de Cláudio Amaral, em Atibaia, onde fez uma capela com belíssimo afresco, certa vez restaurado por Rebolo. E, aqui, da chácara de João Moura, onde, agora, estamos levantando em sua homenagem, com esforço próprio, e sem qualquer colaboração oficial, o Museu Brecheret. É um pequeno culto familiar, mas sincero e merecido, que um doaremos à cidade de São Paulo. 

Claudino Amaral conheceu Brecheret “a vida toda”, desde que ele tinha ateliê na Oscar Freire, junto ao Centro Acadêmico da Faculdade de Medicina do Araçá, em anos idos. 

– Fui um amigo fraterno de Brecheret, como meus cunhados Tito e Hugo Ribeiro de Almeida, Segall, Rebolo, Silvio Penteado, Tarsila, Nonê, Rino Levi, Luiz Cintra do Prado, Menotti del Picchia, Portinari. Este sempre quis trocar um quadro com uma peça de Brecheret, mas nunca acertaram. O casamento de Brecheret com sua prima, Juranda, foi um grande acontecimento. Taciturno, quieto, com sua boina preta e seu grande coração, amava sua arte e sua família. Vinha com a mulher e filhos passar férias ou fins de semana em Atibaia, onde procurava descanso, paz, a solidão das árvores, o ar puro, o por do sol. Uma figura humana, um homem afetuoso com os seus e com os amigos, um artista admirável. A arte brasileira deve-lhe muito. 

Brecheret nasceu e viveu escultor. Ganhou dinheiro, mas, não tanto. Era seguro. Vendia suas obras, pelo preço que marcava, não fazia concessões. Foi padrinho de casamento de John e Regina Graz. Era cardíaco. Não se engajava em política, mas, opinava. Gostava de cantar cançonetas francesas, picantes. De uma boa pizza, queijos e vinhos. Detestava comer fora de casa. Adorava andar de navio – e dizia que, quando velho, desejava ser retratista de navio. Sua fiel companheira francesa, Simone Bordet, até hoje faz exposições e propaga sua arte na Europa. Ganhou a Legião de Honra do Governo da França. Vários prêmios aqui e no exterior. Inclusive Melhor Escultor Nacional, na 1ª Bienal de São Paulo. Seu filho Victor, engenheiro da CESP, diz que Brecheret gostava de navios, pesca e mar. Morreu a 22 de dezembro de 1955, guiando seu carro, entrando na garage de sua casa, com o Mercury. Tinha ido assistir, sozinho, a um filme de Gina Lolobrigida. A Lolô que, com Sofia Loren, era uma das paixões românticas de Victor Nanni Brecheret. 

O IANELLI DE VOLPI 
Volpi fez 83 anos e celebrou com 163 amigos – todo o ano, a turma dos eleitos aumenta – na Cantina Balila, no Brás, toda engalanada com bandeirinhas volpianas. Massas e chiantis contentaram a todos, sendo os discursos puxados por Domingos Giobbi, presidente da AAV – Associação dos Amigos de Volpi, e outros oradores inflamados. Volpi todos os anos ganha um quadro. E este ano queria ganhar uma obra de Ianelli. Eugênia foi comprar, mas o artista, gentilmente, ofereceu a obra abstrato-lírica. 

O difícil foi escolher qual a melhor. O próprio pintor fixou-se em três delas e pediu a opinião de Paulo Mendes de Almeida que optou por uma de tons azuis. Houve indecisão.. E todos acharam melhor que o próprio Volpi escolhesse, sem que ele desconfiasse que seu presente fosse aquele. Inventou-se uma história: Ianelli ia expor uma daquelas três telas no exterior e queriam a opinião do mestre. Volpi achou as três muito boas e disse: “Mande as três”. E nada ficou escolhido. Por fim decidiu-se pelo azul. Dias depois Volpi, quando fazia paciência e fumava seu cigarrinho de palha, recebeu em casa o presente. Ele olha e ri o velo riso franco e aberto: 
– Me enganaram... parece. Óstia! 

Folha de São Paulo, 1º de julho de 1979.

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