O ESTUDANTE QUE RESOLVIA “CASOS”
Aprendia e ensinava- Voluntário de 32 garantiu o direito dos adversários - Aprendiz de dançarino - Cinco horas de sono
- Ao entrar na Politécnica, ele seguia seu pai que era um apaixonado da engenharia hidráulica - diz dona Maria Dulce Nogueira Garcez, falando de seu filho Lucas.
- Quando cursava o quarto ano ginasial já ensinava latim, português, literatura e matemática. Tinha turmas de alunos. Ensinava no portão desta casa. Acabou por se especializar em matemática e nesta matéria tinha dezenas de alunos particulares. Já então ganhava tanto quanto pai, funcionário da Secretaria da Viação. Quase tudo o que ganhava entregava a meu marido, tornando-se assim, valioso no sustento da família, cada vez mais numerosa.
LIDER
Durante os cinco anos que o estudante Lucas Nogueira Garcez cursou a Escola Politécnica, há toda uma sucessão de episódios interessantes a narrar, que bem revelam seu caráter e temperamento. Dois de seus colegas contaram-nos vários deles.
Informou-nos o primeiro que Lucas Garcez sempre foi um líder de classe. Participava com entusiasmo dos movimentos reivindicatórios. Colaborava nos jornais... bissextos que surgiam na Escola e ao mesmo tempo que estudava, era professor em estabelecimentos secundários.
Era bom latinista, dizem.
AO COLEGA N.º 1
O futuro engenheiro era cuidadosíssimo com tudo o que lhe pertencia- diz um seu colega. Tinha, por exemplo, o hábito de numerar os cadernos. E foi num desses cadernos, o de Termodinâmica, do 4º ano, que seus colegas apuseram uma dedicatória: “Ao Colega nº 1, o caderno n.º 2”. Todos assinaram.
OS “CASOS”
Uma coisa de início ninguém prestava atenção, mas que aos poucos começou a ser notada era sua maneira de resolver os “casos” que surgiam.
Lembram seus dois colegas que sempre que surgia qualquer mal-entendido na turma todos corriam ao encontro de Lucas, para saber sua opinião. Ele, que era muito ponderado, dava então seu veredicto. Dificilmente deixava de ver seguido o que, por assim dizer, determinava. Desta forma ia-se tornando cada vez mais querido de todos.
CALMA!
Esta virtude de apaziguador é confirmada por muita gente. Ele impunha respeito como amigo. As partes que o faziam mediador sempre aceitavam suas decisões. E isto porque era dotado de censo de justiça. Certa vez surgiu um caso difícil. Quando foi fundado o Colégio Universitário (curso intermediário entre o colégio e a faculdade) os que já haviam entrado sem trote queriam dar trote nos do 1º ano. Estes não se conformavam, Chegou a haver alguns sopapos. Tudo ameaçava degenerar. Então chamaram o Lucas para pacificar a situação.
Ele entrou na classe do 2º ano e no meio da maior balbúrdia, falando com energia, acabou impondo silencio. Depois, com toda a serenidade, conseguiu harmonizar os pontos de vista contrários.
SOLDADO DE 32
Na revolução de 1932, os laboratórios da Escola Politécnica transformaram-se em autênticas fábricas de munições, lança-chamas, armas diversas. Grande parte dos alunos, suspensas as aulas, entregou-se ardorosamente a essa tarefa, ao lado dos professores. Alguns alunos, mais ardorosos, resolveram marchar no front a fim de combater. Entre estes estava Lucas, voluntário da primeira hora, que se enfileirou no 6º Batalha da Força Pública e seguiu para o Vale do Paraíba.
SITUAÇÃO DIFÍCIL
Cessada a luta, a Politécnica recomeçou as aulas. Registrou-se então um movimento de repulsa contra os que haviam cruzado os braços, não participando da Revolução. A maioria dos acadêmicos resolveu impedir a entrada daqueles que consideravam indignos de freqüentar a escola. Pensou-se na expulsão dos indiferentes aos ideais de 32. Houve tentativas de linchamento. Houve reuniões extraordinárias na sedo do Centro. Surgiu em cena o jovem Lucas Nogueira Garcez. Falando como voluntário, exigiu, nas reuniões do Centro, garantias para aqueles que por questão de consciência haviam mantido indiferença na relação à causa revolucionária.
VIDA SOCIAL
Esses mesmos antigos colegas do atual governador, após contarem os episódios da revolução constitucionalista, evocam um dos problemas que mais preocupavam o Lucas: o de, quando casar, ter de vestir casaca.
- Não saberei vestir. Acho uma coisa ridícula.
Hoje, porém, ele é obrigado a se vestir de tudo.
Dizem seus companheiros, difícil de acreditar, que ele tenha se acostumado à casaca.
PREOCUPAÇÃO
Outra preocupação sua, esta de caráter mais sério, era relativamente aos problemas sociais, embora não os estudasse profundamente. Afirmava sempre aos amigos que estava fracassando em ficar com a família na capital. Achava que havia enormes problemas no interior do Estado e era lá que a presença do engenheiro se fazia necessária.
5 HORAS DE SONO
Dizem que ainda hoje Garcez conserva o velho hábito de dormir quatro horas, no máximo cinco, por noite. No seu tempo de estudante, deitava-se à meia noite e levantava-se às 4. Tinha assim um total de 20 horas diárias para assistir as aulas e lecionar nos colégios onde era professor. Quanto aos seus alunos particulares, às vezes eram tantos que Garcez era obrigado a não aceitar novos e a “dar” a outros professores os que excediam suas possibilidades.
NAMORADAS E DANÇAS
Assim mesmo, porém, com toda essa vida carregada de afazeres, às vezes havia tempo para alguma festa a ou então para ir remar na Atlética S. Paulo ou escalar o Jaraguá...
Em relação às namoradas não era avesso. Nunca teve muitas, ao que parece. Ele e um dos amigos de remo eram os únicos da turma que não sabiam dançar. Mas, houve tanta insistência dos colegas, que acabaram por entrar numa escola do gênero. Tempos mais tarde, a rapaziada reuniu-se para ir ver o progresso dos dois. Foram até a escola de danças e qual não foi a surpresa de todos, quando chegando ao salão de aprendizado, viram Lucas e seu companheiro dançando na “escola”, desajeitadamente, com a maior seriedade deste mundo.
TRIBUNA DA IMPRENSA
Rio de Janeiro, 7 de janeiro de 1953
Nenhum comentário:
Postar um comentário