terça-feira, 6 de janeiro de 2015

BRUNO GIORGI E VOLPI, UMA VELHA AMIZADE

Volpi e Bruno Giorgi foram-se apresentados pelo artista Figueira, nos idos de 1936, e, até hoje, são fraternos amigos, irmãos siameses da arte. 

Bruno está com terceira mulher, Leontina, com quem se casou recentemente no rio, em Portugal, em sua chácara de 700 mil metros quadrados em Ponte de Lima, no Minho. E já mandou notícias para Volpi, aqui em São Paulo, que, no ateliê do Cambuci, pergunta aos amigos: 

– “Como é, o Bruno já chegou? Ostia...” 

É que Volpi, com este calor, quer dar um pulo até o Rio, ficar espairecendo no apartamento de Bruno e Leontina, posto 6, Copacabana, frente para o mar... Eles conversam, discutem, comem a “pasta ciutta” do dia, visitam amigos e vão também a Petrópolis, Teresópolis, tomar a fresca, passear, simplesmente se falar em longas tertúlias. Isso dura, vem desde “o trinta e seis”, diz Volpi. 

E Bruno confirma: 
- Quando conheci o Volpi em sua casa do Cambuci, na Rua Baker, ele ainda morava com os pais. Tive um grande choque ao ver aqueles quadros de rara, e, no entanto, simples composição. Disse logo: 

– Este é o maior pintor de todos os tempos, disse naquele dia e digo até hoje, 43 anos depois. Não me arrependo. Volpi suplantou Portinari, Segall, Tarsila, Pancetti, Grignard, Di, tidos. Os quadros eram paisagens, arrabaldes, impressionistas. De cores vivas, absoluta liberdade das pinceladas. Fui à Leiteria Campo Bello, na cidade, e encontrei Sérgio Milliet e um grupo de intelectuais. Disse: 

– “Vocês andam à cata de gênios, e não conhecem o Volpi, no Cambuci? Vamos lá”. Levei-os e um dois do grupo, o industrial Tamagui, comprou logo uns 4 a 5 quadros de Volpi. Sérgio e Mário de Andrade ficaram maravilhados. Sérgio escreveu um rodapé, no “Estado de S. Paulo”, com palavras textuais: “Desembesta um grande artista”. E Volpi foi logo convidado a expor na única galeria existente em São Paulo, na Barão de Itapetininga, exposição que foi um tremendo sucesso. Mário, por sua vez, fez um artigo de largos elogios a Volpi, e dizendo que uma mulata do artista “o perseguia e o chamava”! As rodas literárias e artísticas de São Paulo só falavam de Volpi, e ficamos desde logo amigos, para o resto da vida, “até que a morte nos separe”...” 

Volpi sofreu influências? 

– “Nunca. O Volpi foi um criador, sempre, ultrapassou tudo e todos, correntes e tendências, mesmo do concretismo, para o qual alguns quiseram levá-lo com propósitos proselitistas... Sutil e zombeteiro, aqui, fez um concretismo perfeito, que embasbacou todos, até o “papa” Mário Pedrosa. E olhe, falo alto e com conhecimento de causa: o Volpi é fundamentalmente um inteligente. Não é culto no sentido literário, ou humanístico, mas sabe das coisas. Aproxima-se dos bons e é um criador nato. Não teve quaisquer influências. Lembro-me que, em 37, houve um explosão de impressionistas franceses em São Paulo. Volpi ficou fascinado, com Cézanne, que fica horas e horas espiando seus quadros. E no entanto Volpi já tinha pintado com a mesma técnica, instintivamente, anos antes... Quando foi para a Itália, gostou de Giotto, Cimabue e Margaritone, entre outros. São os três primitivos pré-renascentistas mais importantes e Volpi sentiu de perto sua maneira de desenhar, de compor uma tela, de usar as cores. Volpi, mais uma vez instintivamente, fazendo jus a tese de Venturi, se aproximava dos pré-renascentistas, com os quais tinha afinidades há alguns anos. Um artista maior, desenhista de traço ágil e que só faz o essencial. Na pintura, a cor, a composição, um equilíbrio magistral em cada tela, sempre soluciona de maneira empolgante cada criação. Nunca vi uma obra fraca de Volpi, nunca. Equilibra com maestria asa cores quentes e as frias, é autentico sempre, faz o que bem entende, é, enfim, um verdadeiro artista. 

– E o Volpi ser - humano? 

– “Também sem igual. Terno, bom, simples, afetivo, humano, incapaz de fazer mal a uma mosca. Detesta ver criança triste e sofrida, logo quer ajudar. Ele e Judite criaram dezenas e dezenas delas. Em São Paulo e Mogi, tratando todas como filhos e por igual. Nunca vi o Volpi zangado, por nada. Sabe comer e sabe beber e, creio, sua sopa de alho e seus vinhos – chiantis ou “Porca de Mursa”, bem como queijo pecorino da Sardenha, já estão famosos no folclore artístico nacional – em tudo, Volpi é sadio. Tem uma saúde de ferro, tudo ele transforma em saúde e energia. Acho que, com sua ciência e sua paciência espontâneas, chega aos 100 anos... O Volpi é um camponês simples, da nossa Lucca siciliana, que caiu no Brasil e vingou com sua generosidade, com sua verdade, de homem e de artista.”

 Folha de São Paulo, 7 de outubro de 1979. 






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