O cientista Afrânio do Amaral, diretor do famoso instituto, cria o “slogan” e dá importantes informações à TRIBUNA - Tremenda luta do Butantã contra a burocracia federal para fazer experiências da vacina.
SÃO PAULO, 22 (Sucursal)
- Falando a este jornal, o Sr. Afrânio do Amaral, diretor do Butantã, admitiu que o Instituto tem realizado uma série de experiências para o fabrico da vacina contra a poliomielite.
Recusou-se a dar detalhes técnicos. Mas teve palavras duras contra a falta de ajuda do governo federal:
- “Apenas uma coisa - diz ele - não nos foi possível conseguir: vencer a inércia das autoridades federais párea que nos ajudem a ganhar esta batalha.”
O Sr. Afrânio do Amaral trabalhou, no Instituto, com Carlos Chagas e Vital Brasil. Há mais de vinte anos dirige o Butantã (afastado por Ademar, ganhou no Judiciário). Tem fama mundial como cientista.
“Rhesus e “Cadillacs”
No seu gabinete no Butantã, onde até livros são encadernados com pele de cobra, dá um exemplo sintomático:
- “Os “Cadillacs” cuja importância não traz nenhuma utilidade ao país, continuam a chegar. Contudo, para conseguir a licença para a importação dos macacos “Rehsus”, o Butantã levou dez meses exatos”.
Diz que foram dias agitados, de correria e papelório, no Banco do Brasil, SUMOC, Carteira Exterior, Ministério da Fazenda, Departamento de Caça e Pesca... etc. A licença, enfim, saiu há pouco.
As experiências
As experiências para a vacina antipoliomielítica foram iniciadas há dois anos. Sofreram contratempos burocráticos (como o citado). E outros. Em maio de 1954, o Sr. Afrânio do Amaral pediu ao governo recursos para o envio de um técnico do Butantã aos Estados Unidos. Durante um ano o governo impediu a viagem.
- “ Agora - diz - o Sr. Vallejo Freire está de volta, com dados preciosos sobre a vacina. Com seus novos trabalhos, o Butantã trata de aperfeiçoar as vias conducentes (técnica, etc.) ao preparo da vacina”.
O Sr. Afrânio do Amaral não adianta qualquer outro detalhe sobre as pesquisas do Butantã, nesse setor.
A pólio no Brasil
Passa, em seguida, a dar outras informações sobre a poliomielite. Cita importante trabalho brasileiro, na reunião de Genebra. Destaca estas três conclusões:
a) Nos países atrasados é menor o perigo da poliomielite, cuja gravidade cresce a medida do progresso industrial;
b) Nos lugares adiantados, as formas graves, paralisantes, costumam aparecer de preferência da adolescência em diante;
c) Nos meios atrasados, as crianças, desde cedo em contato com a natureza, freqüentemente contraem a infecção, em geral sob o caráter frustro;
Disso, conclui o diretor do Butantã:
- “O problema da poliomielite, no Brasil, é variável. Pode ser grave em São Paulo, Rio, Porto Alegre, por exemplo. E não incidir no resto do país”.
Salk e Lepine
De uma certa maneira, o Sr. Afrânio do Amaral é um céptico quanto aos resultados das vacinas Salk e Lepine. Há vários fatores a considerar. Entre eles, enumera:
a) Não se sabe ainda qual o heliótipo da vacina;
b) Não são conhecidos os meios de tornar a vacina Salk isenta de perigo, pela sobrevivência de algum vírus no meio do material imunizante (já causou mortes em centenas de crianças);
c) Ainda não se pode conhecer a duração da imunidade da vacina, nem o seu intervalo, nem outros pormenores importantes;
d) Apenas se sabe que a vacina não pode ser aplicada em épocas de epidemia, pois pode agravar os casos incubados, mas os laboratórios não dispõem de recursos para saber quando há o perigo da incubação;
e) O custo da produção da vacina é tão elevado que a grande maioria de países terá de recorrer às vacinas feitas em outros países e da possibilidade da não correspondência dos tipos de vírus.
- “Mas não há desânimo - diz o Dr. Afrânio. O assunto está em efervescência: os técnicos e cientistas ainda descobrirão o meio de controlar essa terrível moléstia”.
A Vacina Ideal
Diz o Sr. Afrânio do Amaral que tudo o que se fala sobre o preparo da vacina antipoliomielítica, com as técnicas atualmente admitidas, é precário. Diz que é estonteante o progresso científico, nesse particular. E informa:
- “ Ainda agora recebi comunicação da Califórnia, de que o físico-químico A, Fraenkel Conrat, acaba de fazer a descoberta do século. Ele foi, aliás, meu colaborador do Butantã, quando assistia o prof. Karl Slotta, chefe da seção de Química e que isolou péla primeira vez no mundo o princípio ativo do veneno da cascavel. Pois o Dr. Conrat da OMS, de que é o representante, conseguiu combinar as duas porções ativas da pólio: a nuclear, de um tipo menos patogênico, com a porção envoltória, de outro tipo mais anti-higiênico (imunizante). Com essa combinação engenhosa, conseguiu ele uma vacina que, pelo menos do ponto de vista teórico, parece o ideal. Representa o requinte a que pode chegar um trabalho científico.
O Sr. Afrânio do Amaral dá ainda outras informações (científicas). Fala do seu trabalho no Butantã, conhecido em todo o mundo. Há 42 anos é funcionário do Instituto - só saiu quando foi perseguido, na ditadura (37) e depois, com Ademar.
Verdadeiro cientista, o Sr. Afrânio do Amaral, segundo testemunhos, já algumas vezes deixou-se picar por cobras venenosas, para conhecer os efeitos. Esteve perto da morte, duas vezes.
Agora, o seu ideal é fazer a vacina contra a paralisia infantil no Butantã. Tudo depende do governo federal. Apenas o Butantã precisa de meios, para importar material e trocar técnicos com outros países onde as pesquisas estão adiantadas.
Termina:
- “Se vencermos a inércia das autoridades federais, e conseguirmos um entrosamento delas com as estaduais, a pátria ficará engrandecida com nosso trabalho”.
TRIBUNA DA IMPRENSA
22 de março de 1956.
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