Lampião, Volta Seca e Lamparina - Pesquisas nos candomblés baianos - Declarações do Sr. Estácio de Lima, diretor do famoso instituto de pesquisas da Bahia .
SÃO PAULO, (Sucursal)
- “O Cangaço era e continua a ser consequência, e não causa, do meio” - eis o tema central da palestra realizada nesta cidade pelo professor Estácio de Lima, diretor do Instituto Nina Rodrigues (Salvador, Bahia).
O professor Estácio de Lima, continuador das pesquisas etnográficas, sociais e folclóricas de Nina Rodrigues e Artur Ramos, está em São Paulo completando alguns estudos e realizando conferências.
Suas considerações sobre os problemas socioeconômicos do homem do norte, a par da divulgação de temas do folclore baiano, notadamente no que se refere aos rituais e religiões afro-brasileiras no seu Estado, têm alcançado larga repercussão nesta capital. Seus trabalhos à frente do importante instituto baiano, e outros assuntos, como o cangaço, “Lampião” e os candomblés, constituem o objeto desta entrevista do professor Estácio de Lima, que a seguir reproduzimos nos seus aspectos principais.
Objetivo
Disse inicialmente o professor Estácio de Lima:
- “O objetivo do Instituto Nina Rodrigues é servir a Universidade com um processo de ensino que tem como base os casos objetivos de pesquisa médico-legal. Sou professor da cadeira de Medicina Legal e diretor do Instituto, o que permite um íntimo entrosamento entre o ensino e a experiência e as pesquisas baseadas no vasto material de que dispomos e nos estudos realizados desde a fundação do Instituto até os nossos dias. Temos, pois, um perfeito intercâmbio entre o ensino e a polícia, que nos fornece o material de estudos, facilitando as nossas investigações e constatações de ordem pessoal, os quais constituem, sem dúvida alguma, subsídios interessantes para os que se dedicam ao estudo da Medicina Legal.
Consequência do meio, o cangaço
Provocado ao assunto do cangaço, disse:
- “Trabalha, por exemplo, no Instituto Nina Rodrigues, como amanuense, um ex-terrível cangaceiro, lugar-tenente de Lampião, famosos pelos seus requintes de perversidade. Trata-se de “Labareda”, que libertado do meio, reeducado, hoje é um homem comum. Aliás, observa-se nos cangaceiros essa docilidade e os atos praticados no passado nada mais foram que consequências do meio, processos utilizados para a sobrevivência do cangaço. Banidos, perseguidos, tinham a necessidade da violência, que se manifestava em requintes de perversidade nunca vistos, para impor-se e conseguir desfrutar a posição que ocupavam. Os “coiteiros”, homens que protegiam aos cangaceiros, eram passíveis de terríveis castigos no caso de traição. Somente com a intimidação é que poderiam manter a sua fama e continuar a sua vida de banditismo, que era e continua sendo nas novas regiões onde se manifesta, consequência do meio.
O Caso de “Volta Seca”
- “Isto causa estranheza aos leigos em assuntos criminalísticos. Estranham como homens excessivamente religiosos, humildes e pacatos, pudessem transformar-se em verdadeiras feras sanguinárias. Está provado que a religiosidade nada tem a ver coma criminalidade. São fatores que atuam na personalidade do criminoso. Muitos deles se intitulavam mesmo “ajudantes de Deus”. Um tipo ruim, um coronel mau, um opressor, etc., que vinham ando trabalho e do qual Deus não resolvia dar cabo, eram eliminados. O criminoso profissional considerava que estava prestando um serviço à Divindade, acabando com aqueles indivíduos que consideravam um empecilho. Daí rezarem até pela alma do assassinado e tirarem o chapéu em atitude de respeito diante do cadáver”.
“Há, também, os tipos difíceis de adaptação na sociedade, e no caso podemos citar “Volta Seca”, que não se acostumou ao regime de trabalho. Desde menino viveu no meio de cangaceiros, foi preso muito cedo e foi levado para um ambiente em que não pode ser reeducado convencionalmente”.
“Lampião", objeto de estudo
Cita-se um outro caso, também interessante:
- “Imagine que existe gente que se revolta contra o fato de mantermos em nosso museu na seção de Criminologia, preciosas relíquias como as cabeças de “Lampião”, “Maria Bonita” e demais integrantes de seu bando. São objetos de estudo e nunca troféus de guerra. Temos outras peças raras, de valor científico e histórico, que ali permanecem e, alguns jornalistas pedem que as mesmas sejam sepultadas. Só no Brasil é que pode ser feita tal exigência. Suponhamos que alguém peça ao s museus de criminologia de Turim ou Roma que sepultam ou se desfaçam dos materiais selecionados e colecionados por Lombroso, um grande cientista, embora muitas das suas assertivas hoje estejam superadas. Seria um ato de tamanho ridículo que nem seria considerado. E, no Brasil, movem-nos campanhas querendo destruir um material importante para os nossos estudos.
Os Candomblés
- “Um outro estudo que realizamos atualmente - diz a seguir - é sobre os candomblés da Bahia. No Instituto Nina Rodrigues temos dois museus: um de Medicina Legal e outro sobre Antropologia e Folclore. Realizamos várias pesquisas, já em fase de conclusão, sobre os candomblés. Esses ritos afro-brasileiros estão divididos em dois grupos: os sudafricanos ou bantos e os centro-africanos ou sudanês. O primeiro grupo sofreu varias influências, quer de origem europeia, quer de origem indígena. Foram influenciados pelo meio e se manifestam em práticas religiosas mescladas de espiritismo, baixo-espiritismo e catolicismo. Isso se deve ao tipo físico dos bantos. Sabemos que os homens baixos e gordos, no caso os das nações bantos, eram comunicativos, expansivos e que não só transmitiam seus costumes, com também recebiam outras influências. Os sudaneses, tipo físico extremamente oposto e, por conseguinte com um temperamento também diverso, conservaram-se isolados dos brancos e de outras raças, mantendo-se até hoje, com fidelidade quase absoluta, os mesmo ritos e os costumes de suas nações. É um material abundante para estudo. Os candomblé, para se ter uma rápida ideia, são originários de oito nações e, por conseguinte, cantados em oito idiomas diferentes, cinco dos quais sem verbos e um desenvolvimento cultural superior ao das outras. Desse fato resultaram também os vários movimentos de revolta desses povos negros, consignados em páginas brilhantes da nossa História, Enquanto, por outro lado, observa-se a submissão dos povos de língua primitiva os senhores de escravos e às condições novas de vida encontradas na América”.
Congresso de Medicina Legal
Ao finalizar, informou o professor Estácio de Lima:
- “Em comemoração ao 50º aniversário do Instituto Nina Rodrigues realizaremos em Salvador, em julho, o Congresso de Medicina Legal. Entre os nossos convidados figuram os professores paulistas Flamínio Fávero, Almeida Júnior e outros estudiosos do assunto. Pretendemos levar os congressistas a vários terreiros, para que conheçam os verdadeiros candomblés”.
TRIBUNA DA IMPRENSA
22 de junho de 1956.
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