Município brasileiro recordista em várias coisas: laranja, mel, limão, abacate, chapéus... e moça bonita (tem uma história com Marta Rocha) - Um caso autêntico: se o Prefeito (24 anos), casar, haverá pacificação (primeira vez) entre UDN e PSD.
LIMEIRA, 1956
Limeira não é uma cidade morta de Monteiro Lobato. Na praça principal, onde pombas evoluem sobre a gruta histórica, dois rapazes conversam:
- Você viu a reportagem sobre Cesar Lattes, nesse novo semanário?
- Li e gostei. Sujeito porreta. O Fermi perto dele acho que era “fichinha”!
Conversa (franca) de Limeira. A física eletrônica desviará a marcha universal. Limeira não vive mais na Idade Moderna. O juiz, o coletor e o farmacêutico lobatianos não têm mais vez.
Limeira já está nas aberturas da Idade Atômica.
Dista uma hora de Campinas (de trem) e uma intenção de S. Paulo.
Com quase 700 alqueires de plantações. Eduardo Lucato (48 anos, filho de imigrante) é o “rei da laranja”. É o que se diz, na gíria, um braço.
Eduardo (com seu irmão Vitório) não para. Invadiu com sua fobia pela laranja os municípios vizinhos. Só não quer saber é de governo. Mas por isso Limeira é o maior produtor de laranja do Brasil. Quase dois milhões de caixas este ano.
- “Nasci na laranja. Na laranja hei de viver” - diz ele, suarento, apoplético, rude, após uma caminhada (furgão, cavalo e a pé) de uma centena de quilômetros.
Quem fundou Limeira foi um frade franciscano. Quem enterrou umas limas (estragadas) ao pé do Morro Azul - num caminho de bandeirantes. Os Lucato de todas as raças é que a construíram.
DRAMA
O empreendimento mais modesto do comendador Agostinho Prada, a fábrica de chapéus, dá-lhe um lucro líquido (anual) de Cr$ 15 milhões. Mas também pôs ele o gênio de sua iniciativa na metalurgia, no comércio imobiliário e em companhias de eletricidade.
Prada vive seis meses no Brasil e outros seis no seu castelo de San Remo (“Cote D’Azur”). A fábrica de chapéus faz, inclusive, o fez turco. E os chapéus típicos (feltro de lã) dos índios bolivianos. Para a Suíça, já foram chapéus de lã e pelo.
Na fábrica há tantas operárias (perto de 500) quanto operários. Elas usam em suas mesas de trabalho, junto das máquinas, pequenos altares de Nossa Senhora. Rosas belíssimas cercam sempre a imagem da santa. Às vezes, um grupo de operárias ergue um altar maior.
HISTÓRIA
Limeira tem um filósofo (João de Souza Ferraz), mas não tem historiador. Ou melhor - tem, à sua moda. O historiador é o fotógrafo Ítalo Ceneviva.
Ceneviva começou a bater chapa há 30 anos. Tinha, então, 22. Desse tempo até hoje não perdeu um único acontecimento na cidade. Talvez só o seu próprio casamento.
- “Quero deixar tudo registrado - diz ele. Não faz mal que não paguem. Mas tudo que se faz na cidade eu fotografo. Gente pobre, gente rica, ordenação de padre, discurseira de político e mudança de prefeito. É assim que escrevo a história da cidade”.
E o Ceneviva escreve mesmo. Suas recordações dariam um livro. Onde entrariam até fotos de Getúlio, Dutra, Ademar, Garcez, Jânio. É um realista De Sicca:
- “Comigo é assim. Se fotografo uma pessoa, há de aparecer até o rustido da camisa!”.
TRADIÇÃO
“Seu” Eduardo Cardoso, filho do joalheiro, desde os oito anos começou a trabalhar com joias. Em 1945, montou uma oficina, com 6 operários. Quando morreu (1953) deixou uma fábrica de joias completa. Hoje ela tem quase 60 operários e gasta 12 quilos de ouro por mês.
É a maior do Estado e a melhor (dizem) do Brasil. Mais bem aparelhada é.
Especialidade: joias leves e baratas - brincos, anéis, brochetes, pulseiras, pedantifes e medalhas. Tudo em ouro 18.
Dona Irma Cardoso dirige a fábrica. Todos os dias, com seu ar de bondade, anda dum lado a outro na oficina. Em casa, cinco filhos esperando. Tem já grisalhos os cabelos louros. Na sua mesa de trabalho há o retrato de um homem. Seu marido. “Seu” Eduardo Cardoso.
FIGURA
Tem os bigodes e a magreza de Dom Quixote. Mas a admirável “escudeira lhaneza” de Sancho Pança. Apresentação:
- “Joaquim Gomes da Silva, seu empregado”.
Joaquim tem 70 anos e uma saúde de ferro. Nunca foi a um médico. Nunca tomou um remédio. Nem de dor de cabeça. Se entrou numa farmácia foi para comprar remédio pros netos (tem 28 ou 29, “parece”). Os dentes, um burro os arrancou com um coice. Há alguns anos.
É o zelador a Igreja de S. Benedito. Fundada pelos homens de cor, em 1870. Hoje tem quase 600 irmãos. Mas quase que só brancos. Joaquim não saber explicar por quê. Não sabe o que é industrialização.
Sabe como vai cada um dos filhos. Quinze.
O alemão João Dierberger tem em Limeira os melhores viveiros (do Estado) de mudas de frutas, citros e flores. Suas rosas são conhecidas em todo o país. E as orquídeas.
Guilherme Klein, outro alemão, é o “rei do mel”. Impossível dizer quantos milhares de abelhas seus apiários tem.
A verdade é que Limeira, mesmo com as terras estranguladas pelas culturas da laranja e da cana-de-açúcar (sem flores), é o município brasileiro de maior produção de mel. Tem 4.500 colmeias. Produz mais ou menos 200 mil quilos de mel, por ano.
Rui Barbosa tem fundição e também cria abelha. É considerado, na cidade, inteligentíssimo (influência do nome?). Fundou, há pouco tempo, a Associação dos Apicultores do Brasil. Sede: Limeira.
MAIOR
Mas Limeira não tem só laranja, mel, chapéu, limão, abacate e açúcar (em quantidades recorde). Fábio Ferreira da Rosa, uma figura querida da cidade, diz:
- “Limeira tem tudo isso e moça bonita também. É só andar na rua e olhar. Ou olhar também nas fábricas.
Diz isso porque Marta Rocha andou por Limeira, e fez sucesso relativo. Maria José Bonetti, limeirense das boas bateu Marta Rocha (dizem). Ela é hoje candidata a miss São Paulo.
Nas festas da laranja (bianuais) é que se veem a graça e a beleza das garotas de Limeira. Vem gente de toda a região para vê-las. Elas sabem disso. Põem, então, o melhor vestido de chita. E até Dior.
O açoriano Eduardo Peixoto tem tudo para ser em burguês enfastiado. É o gerente da “Prada”. Tem casa, automóvel, chácara, mexe com milhões. Que o vê assim de “robe de chambre” de seda, fumando seu charuto, a ler “Seleções” na varanda da sua casa - pensa que o Peixoto já se cansou da vida.
Engano. Engano “ledo e cego”, como queria Camões.
Peixoto, o português que Limeira conheceu de calça curta, começou como “office-boy” na “Prada”. Foi subindo, subindo na consideração do comendador. Hoje é o gerente da gigantesca indústria. Mas se lembra ainda dos duros tempos do começo. Por isso parece um burguês bem gozador só na aparência. Quem conversa com ele, sente:
- “Tudo que trata dos interesses dos trabalhadores, me interessa. Estamos na época em que cada um deve participar da obra feita. Participar nos lucros, participar na responsabilidade. Tudo deve ser repartido com justiça social”.
Peixoto é adepto da reforma social. Seus operários (1.200) só não têm participação nos lucros porque o dispositivo constitucional não está regulado. Mas terão. Peixoto entende. E não é o único.
A cidade tem também o Antonio Feres. Dono de uma das 15 fábricas de calçado (produção total, anual: mais de 1 milhão de pares). Feres é filho de sírios. São os italianos, os alemães e os sírios - e os seus filhos- os grandes construtores da Limeira espetacular.
Da Limeira que dá por ano mais de Cr$ 120 milhos para os cofres federais. Quase Cr$ 100 milhões para os estaduais. E uma arrecadação para seus cofres de Cr$ 16 milhões. Da Limeira cuja produção de máquinas industriais (e agrícolas) é das mais importantes do Estado. De papelão, também. E de caixas de fósforo. De tecidos. De aguardente de cana. De açúcar com Ometto.
Limeira, onde o povo faz promessa e levanta estatuetas de santo na matriz da Boa Morte. Onde nasceu Prudente de Barros Camargo, inventor de um disco-voador. Que teve prefeito mulher. Limeira, onde os trens da Paulista para forçosamente. Limeira que vende anualmente quase 1 bilhão. Limeira colossal. Anti-cidade morta.
ONDE O CORAÇÃO BALANÇA
José Adriano é o prefeito mais novo do Brasil. Vinte e quatro anos, um simpatia alegre, uma responsabilidade graúda. Filho do ex-prefeito Castelo Branco. Faz política há três anos. Começou com Jânio, Mangabeira e Lacerda. No Movimento de Recuperação Moral, dos estudantes de direito.
A luta de José Adriano é dura. A mesma, afinal, dos prefeitos de todo o lugar. Conseguir verbas. Ordenar o orçamento. Submeter-se a tutela financeira do governo estadual (numa terra onde a iniciativa particular é quase tudo!).
E acontece, também, que o prefeito de Limeira é solteiro. Por isso, ele cuida só da cidade. Tem de atender a outros reclamos. Os do coração. Então, vaia a Araras (cidade próxima) namorar. Uma sobrinha de Herbert Levy. O povo comenta:
- “Se der casamento, tá bom. E será a primeira vez que UDN e PSD, em Limeira, vão se entender”.
O comentário alude à filiação pessedista do prefeito, e a área udenista a que pertence a sua namorada.
Limeira atômica.
TRIBUNA DA IMPRENSA
Rio de Janeiro, 14 de maio de 1956.
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