Flávio de Carvalho, autor da criação, é o pai da moderna arquitetura brasileira - Com Chateaubriand (no Senado) e Eleazar de Carvalho, as primeiras demonstrações - Os fundamentos centrais (estéticos e humanos do novo vestuário masculino).
São Paulo (sucursal)
- Flávio de Carvalho, pintor, escultor, projetista (com curso de arquiteto em Londres), quer agora lançar uma nova moda para o vestuário... masculino.
A nova “roupa” Masculina (saiote e blusão), em sua opinião, é “coisa séria”. E vai pegar, no verão. Principalmente, diz ele, se for combatida “pelas associações moralistas e reacionários de todo o tipo”.
Flávio de Carvalho, é bom assinalar, é o pai da arquitetura moderna no Brasil. Com seu projeto (rejeitado) de 1927, para o Palácio do Governo de São Paulo.
Ele está entusiasmado com sua nova revolução estética (e social): o novo vestuário masculino.
Ante dois desenhos dos novos trajes (feitos especialmente para este jornal), inventados por ele, Flávio enumera as peças do que considera a “última evolução na arte (masculina) de vestir”:
a) - o saiote, ou “short”, é de tecido grosso, não transparente, de linho grosso ou algodão;
b) - o blusão, tem como tecido exterior uma malha aberta ou armada, que não encosta na pele, e, por baixo, um tecido leve, organza ou outro, colorido, vivo, preso à malha;
c) Duas malhas (é optativo) protegem as pernas;
d) As sandálias nos pés podem ser usadas sem meias.
Flávio informa que os tecidos do blusão ficam afastados do corpo por arandelas de arame, uma ao ombro e outra à cintura; esta é graduável, e regula a velocidade de entrada do ar entre o tecido e a pele.
A “roupa” é, pois, ventilada, não gruda na pele, e é leve e simples.
Evolução no vestir
- “As vestes atuais não se adaptam mais ao meio de vida e novos conhecimentos do homem de hoje” - diz Flávio, defendendo a criação. Diz que os homens, hoje em dia, usam os mesmos tecidos, os mesmos tipos de roupa (com poucas variações), as mesmas cores da antiguidade. - “As roupas escuras, por exemplo, muito usadas pelos contemporâneos, são originárias duma imposição da nobreza à burguesia, no século XVII” - diz ele.
Flávio acha um absurdo que, na época de hoje, toda a humanidade (masculina) não use roupas coloridas (exceção para o esporte), apenas por que os nobres franceses assim queriam se diferenciar dos burgueses.
A roupa impingida à burguesia antiga, - calça, colete, paletó - deve também ser reformada no tipo, segundo Flávio. Por que não o saiote curto, estético, arejado? Por que não o blusão ventilado, colorido, simples? Por que não sandálias, em vez de horríveis sapatões? - pergunta ele.
Revolução estética
Flávio lança o segundo argumento para defender suas ideias. Diz que este século reformou todos os conceitos, preceitos e coordenadas fundamentais de vários campos da arte, ciências, filosofia, religião e outros setores da atividade humana. Novas fórmulas, novas descobertas, revolucionam os princípios seculares de antes.
- “O vestuário, contudo, não mudou, diz. Está inadaptado à vida dinâmica de hoje, é anti-funcional, antiestético, anti-humano mesmo” - diz, telúrico, suarento nos trajes comuns (que ainda veste).
Primeiras demonstrações
As primeiras demonstrações com a nova roupa possivelmente serão dele, Flávio, com o Sr. Assis Chateaubriant (no Senado) e o maestro Eleazar de Carvalho. É provável um desfile no Museu de Arte, organizado por dona Lina Bo Bardi, arquiteta, mulher do diretor, prof. P. M. Bardi.
O desfile com novos trajes masculinos será aberto por dois vagabundos de rua, com suas roupas em trapos. Eles recitarão monólogos (coletados por diretores dum hospital de loucos) sem qualquer sentido. Motivo e razão: Flávio quer demonstrar com os vagabundos que, sempre, desde a antiguidade, inconscientemente, as fases da moda provieram do povo. E sempre da mais baixa escala social.
Logo depois, virá um grande desfile pelas ruas centrais da cidade. Já há mais de 200 inscrições. Puxarão o desfile: Flávio, Chateaubriant, Eleazar de Carvalho e o radialista Túlio de Lemos (um gigante, de dois metros de altura).
- “Aos poucos - diz Flávio - o povo irá vendo que veste uma roupa imbecil, não de acordo com o desenvolvimento cerebral do homem moderno”.
Informes finais
Flávio de Carvalho se entusiasma. Não tem medo de que sua ideia se vingue ou fracasse. Quando for produzida comercialmente (é ainda mais barata) milhares de cidadãos a usarão. A época que vivemos, da simplificação e da síntese, e do conforto utilitário, ajudará.
- “A condenação reprobatória ou policial ou de entidades moralistas será a melhor propaganda para o lançamento da nova moda” - diz ele.
Em São Paulo, segundo diz, já tem o apoio de muita gente. Entre outros: Ernesto Wolff (industrial), Helio Souto, Mauricio Loureiro Gama, Joaquim Pinto Nazário, Homem Silva (deputado), cônsul geral da Holanda, Clóvis Graciano, Fernando de Barros, Silvio de Campos Fº, Luís Martins, Sérgio Milliet, Mário Nême, Paulo Luís Lopes Coelho, Paulo Emílio Sales Gomes, Rudá de Andrade, Carlos Scliar, Arnaldo Pedroso d’Horta, etc.
Do Rio, já recebeu adesões de Carlos Thiré, Sérgio Bernardes (arquiteto), Aldari Toledo, Rui Carvalho (industrial), pescador Cristiano Menezes, Aníbal Machado, Ruy Carvalho, Assis Chateaubriant e Eleazar de Carvalho.
Flávio informa também que muitas mulheres de sociedade paulista apóiam a idéia “e não se opõe a que seus maridos andem de saiote e blusões coloridos”. Entre elas, se destaca: Yolanda Penteado Matarazzo (mulher de Ciccillo), Bia Coutinho, Aurora Duarte, Márcia Thiré, Ivete Mariz, Nidia Licia (mulher de Sérgio Cardoso), Vida Alves, Antonieta Lex, Marieta Gouveia e Estela de Faria.
Perguntamos se não teme o combate das fábricas de roupas feitas. Diz que não. O povo imporá a nova moda de vestir. Basta apenas propagá-la bem e ter coragem.
- “No ridículo, quando vencermos, dentro de algum tempo, estarão aqueles que se vestem nos preceitos antigos, como hoje” - diz.
TRIBUNA DA IMPRENSA
21 de maio de 1956
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