terça-feira, 1 de outubro de 2024

Nu na Maranduba

Nu na Maranduba (ou) A incrível estória da sedutora andaluza Gabi

Sou um taubateano de boa cepa, descendente de bandeirantes. Meu pai desbravou muitos sertões nas serras da Bocaina e da Mantiqueira, até as Gerais. Ganhei a vida nas lides do campo e no pequeno comércio, vendi muita traquitana na feira da braganha de minha cidade. Vivi bem como Deus é servido. Hoje, aos 65 anos, aposentado, vivo na minha sitioca da Maranduba, aqui em Ubatuba. A minha boa velha se foi há alguns anos, gostava de visitar as ruínas da Lagoinha, aquela fazenda antiga, agora em restauro – boa alma, melhor adormecida pra sempre. Vivo, pois, só, com meus espantos e minhas lembranças de cidadão de boa fé, embora perrengue e sistemático, ai de mim, Nossa Senhora...

Mas, não pendurei as botas, ainda não, gente. Gosto duma caipirinha bem sorvida, um trago alegre com os amigos; de viajar por esses brasis, interior a dentro – num Brasil grande e ínsito de povão sofrido mas bom; e não renego também uma aventurazinha amorosas, nesses tempos de mulheres belas e supervalorizadas, embora eu me pele de medo da AIDS... Êta mundão bom, pra quem sabe viver amando, como diz meu amigo caiçara/sertanejo João Alexandre, lá no fundão da Sesmaria – que se casou 18 vezes! Lá da sesmaria ainda quase colonial, depois da Estufa, nos rumos da Serra do Mar.

Por isso eu conto, esta e outras, pra quem acreditar. Não faz muito, o pessoal do Rotary me convidou para uma excursão às cidades do sul, com Porto Alegre como “grand finale” do roteiro. E lá fui eu, de mala e cuia e tudo nos conformes. Curtimos à beça o folclore campeiro e a guascada gaúcha, o típico e tradicional sulinos, numa caça espetacular aos queijos, vinhos, churrascos memoráveis em Caxias, Farroupilha, Bento Gonçalves, etc. Já na Capital, último dia, como maior atração tínhamos o show da “A andaluza Gabi e as dançarinas espanholas do Cassino de Sevilha”. Lá foi o nosso grupo guapo e alegre, disposto a se divertir na mesa, bem paga, de pista – com direito a muito vinho e até champanha.

É aí que gostei e me diverti três vezes 100. As espanholas, com seus chalés coloridos e saias rodadas, explodiam nas danças flamengas e em olés inflamados, batendo novamente os pés no tablado, ao som das guitarras e das castanholas ritmadas em volteios. Entre todas, morena escura e sanguínea, Gabi era uma cigana maravilhosa, mourisca tipo art-nouveau e autenticamente andaluza. Dançava e rodava numa volúpia, divinamente. A música de sua terra a deixava endoidecida e aqueles sons do demônio subiam pelas suas pernas roliças, pelo seu ventre sensual e pelos seus seios de mulher mágica. Uma loucura!... e eu ali a dois metros, meio bêbado, tomado e atordoado, já apaixonado dominadoramente pela Gabi. Acabada a dança dos infernos, entre os bis e ovações, acenei para acigana estonteante, que me respondeu... com um sorriso de 40 quilates, cabelos negros emaranhados, linda, linda de morrer... Fiquei com o coração aos pulos, como numa tourada de Madri (em que a gente torce pro animal). Eu era também um animal, ali, ante a Gabi. 

Parti pro camarim dela, é lógico. Cesteiro que faz um cesto... E, sabem que dei sorte? A grande vedete me recebeu, arfando seus olés, com afetividades. Pude falar umas trivialidades – tipo de onde é da Espanha, se está gostando do Brasil, onde está hospedada, essas coisas... e a convidei, animadíssimo, pra um encontro fora do Teatro. Ela, (!), topou, com um risinho gostoso, achei, de uma mulher experiente: - “Ò, si, como no, mi amigo, lo aguardo em mi hotel, habitación docientos e diez, a las onze de la noche”! Aí, quem arfou, fui eu. Saí vibrando com a minha ousadia, a minha conquista... sem dúvida, a primeira, internacional... Eu, um valeparaibano comum, descendente de nobres quatrocentões, hoje quase um l’ommo qualunque em Ubatuba! Já imaginava, já conjecturava, como seria um amor feérico e privilegiado com a sedutora dançante espanhola. 

Ai vem o melhor da estória, caro leitor. Bem: avisei minha turminha rotariana (os homens), me vesti bem, comprei flores e fui pro hotel da minha amada do Cassino de Sevilha. Toquei a campainha do 210 e a porta se abriu rápido. Gabi apareceu mais bonita que nunca! A mulher era deus e o diabo na terra gaúcha. Resplandecia, vistosa e charmosa, os cabelos ondulados e negros ancorados por uma flor branca – “Entre, senõr, por favor”, disse-me com toda a elegância das mulheres eleitas. Joguei as flores em seu regaço decotado, balbuciei um “Ola, amorzinho” e entre sala a dentro, vitorioso. 

A vida dá muita volta e a última é a pior, já dizia seu Chiquinho da Praia Vermelha do Tenório, com seus botões. Lembrei-me disso ao ver a surpresa que a Gabi me reservara. Entrei e vi, senhores, ali na sala do apartamento, sentados em roda, como que me aguardando – um senhor hirsuto e três meninos taludinhos... Antes que me refizesse do espanto, disse-me suavemente a espanhola, seguido de um “Sente-se” arrazador: - Si, si, mi buem amigo... Me gustaria de presentar-me mi marido y los ninos... Han venido nesta excursión porque querian conocer el Brasil. Quieres una tacita de vino”? 

O final, que cada um pense melhor. Basta dizer que saí incólume daquela aventura. De vez em quando me recordo daquela mulher maravilhosa, mas, infame, ordinária e vulgar. Sonho sempre com ela e vou nadar no mar azul 

Estou só e nu na Maranduba. 

E continuo me chamando João Francisco de Almeida Braga Tomé de Souza.

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