Com 13 anos, Brecheret matriculou-se no Museu de Artes e Ofícios de São Paul, no mesmo dia em que descobriu a escultura - Morreu esculpindo a maior estátua equestre do mundo - Foi uma das maiores figuras da Semana de 22
Em 1907 um garoto franzino passava pela Barão de Itapetininga quando encontrou, no chão, uma revista estrangeira. Parou. Apanhou a revista. E, embora não pudesse ler o texto, se fascinou com algumas fotos de esculturas de Rodin.
O garoto franzino tinha 13 anos. No mesmo dia matricula-se no Museu de Artes e Ofícios. O curso, no ambiente acadêmico, pouco lhe valeu. Juntou uns cobres e foi para a França. Em seguida à Itália.
Quando começou, muitos anos depois, aqui no Brasil, sua obra de artesão, larga, profunda, detalhada sem maneirismos, alcançou a fama merecida. Agora, com 61 anos, Vitor Brecheret morreu.
Morreu trabalhando
Brecheret morreu esculpindo. Trabalhava quieto, como sempre. Esculpia um detalhe do Monumento ao Duque de Caxias (encomenda da Prefeitura). É a maior estátua eqüestre do mundo. Obra de 40 toneladas. O cavalo de Caxias tem 11 metros de altura e 9 de comprimento.
A estátua será inaugurada em 25 de agosto de 1956. Mas Brecheret não verá sua última obra. Nem mais uma “Eva” nos jardins da Biblioteca Municipal. Ou o seu “Monumento às Bandeiras”, no Ibirapuera, cartão postal obrigatório de São Paulo.
Brecheret era um dos grandes da Semana de 22. Dizem que desde os idos da Semana não parou um dia de trabalhar. Obra de renovação plástica diária. Grande, sempre.
Filho de imigrante
Filho de Auguste Brecheret, modesto imigrante Frances, e de Paulina Nanni, o menino Vitor ficou órfão aos dois anos de idade quando passou a morar com uma tia. Demonstrava pendores para a arte, mas só aos 13 anos (episódio da Rua Barão e Itapetininga estalou para o campo da criação plástica. Com 20 e poucos anos, sua tia mandou-o a Itália. O rapazola, desajeitado, não conseguiu inscrição na Academia de Belas Artes. Empregou-se, então, como amassador de barro de Daizzi. E montou pequeno atelier na via Flamini, 22.
Brecheret descoberto
Em Roma formou adeptos. Certa vez a municipalidade convidou-o a decorar o camarote do presidente Wilson (visitava a Itália) Mas, sem dinheiro, voltou ao Brasil. Do período italiano trouxe apenas uma estatueta de gesso dourado: “O ídolo”.
Passou a trabalhar num pequeno atelier no Palácio das Indústrias, ajudado por Samuel Ribeiro e Ramos de Azevedo (falecidos). Casualmente, um dia, um grupo de intelectuais que visitava o Palácio bateu à sua porta. Nasceu daí uma amizade dom Oswald de Andrade e Menotti Del Picchia que durou até a morte.
O “Correio Paulistano” fez campanha por Brecheret. Em breve, Mário de Andrade e Monteiro Lobato faziam coro também. Lobato primeiro desancou o artista. Mas logo reconhecia o erro e figurava na primeira linha de seus fãs.
Semana de 22
Veio a Semana de 22. Brecheret colabora. Exulta. Trabalha. Traça planos. Mas dias antes do acontecimento, embarca para a França. Funda com outros artistas o Salão das Tulherias. Entra em contato com artistas de várias correntes. Nunca se fixa, porém, em escola alguma. Nunca abandona a figura. Mas sabe trabalhar com expressividade a madeira, o gesso, o ferro.
Volta. Em 36, Armando Salles de Oliveira encomenda-lhe o “Monumento às Bandeiras” (inaugurado em 1954). Fica famoso. Na 1ª Bienal, tira o primeiro prêmio de escultura com a obra “Índio e a Suaçuapara”. Um de seus últimos trabalhos foi a estátua de Maria della Costa como Joana D’Arc.
Segall emocionado
No enterro, seus amigos artistas estavam emocionados. Segall, o pintor, não queria dizer nada. Mas suas palavras valem:
- “Estou muito triste, não tenho palavras. Era amigo de Vitor há 30 anos. Era um companheiro extraordinário. Este acontecimento é trágico. Sua arte ultrapassou as fronteiras brasileiras. Sob o ponto de vista humano, artístico, Brecheret foi longe, voou alto, marcou sua arte soberanamente onde viveu”
Ainda no saguão da Biblioteca Municipal, onde o corpo de Brecheret ficou exposto, o arquiteto Rino Levi deu sua opinião:
- “Brecheret foi certamente, com Calder, o maior dos escultores das Américas, nas últimas décadas”.
O que disse Menotti
O poeta Menotti Del Picchia disse:
- “O Brasil tinha três grandes artistas de fama internacional. Todos fora dos padrões normais: Portinari na pintura, Brecheret na escultura e Villa Lobos na música. Brecheret era o maior estatuário do Brasil de todos os tempos. Essa a grande perda nossa”.
Fala um escultor
Jovem ainda, Caciporé Torres tinha em Brecheret um mestre. Disse:
- “Brecheret se apegava à forma, mas tinha criação livre. Difícil chegar até onde ele está”.
Opinião de Milliet
Sérgio Milliet ditou sua opinião. Disse com pausa:
- “Só vim a conhecer Brecheret em 1925 em Paris, no seu atelier na Rua Versingetorix, em Montparnasse. Muito atento às lições dos grandes do momento, mas demasiado homem do povo para não desconfiar dos excessos intelectualistas. Apaixonado pelas formas e a matéria, mas preso à figura humana que não chegou a abandonar nunca, embora ultimamente não mais encarasse a figura senão como um pretexto.
- “Os anos passaram. Morreu Antonio Alcântara Machado (onde Brecheret e outros intelectuais se reuniam), o escultor alcançou a glória dos grandes prêmios e das encomendas oficiais. Trabalhador infatigável, retirado em sua casa do Jardim América, nossos contatos diminuíram. Vi-o raramente desde então, nas exposições e por vezes no Museu de Arte Moderna. Falando pouco, observando muito, estudando as novas tendências de escultura dentro do espírito de equilíbrio que constituíra, desde o início sua mais bela qualidade. E que manteve sua obra ao alcance do grande público mesmo nos momentos em que mais se distanciou dele”.
TRIBUNA DA IMPRENSA
26 de dezembro de 1.955
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