quarta-feira, 22 de julho de 2015

CONCESSA COLAÇO, MESTRA TAPECEIRA

“Concessa, você é o cão em figura de gente, falando bem seria a coa. Meus devotos parabéns. CARYBÉ. Fã número 1”.


O obá, cigano e baiano Carybé passa por São Paulo, vindo das gaúchas terras. Passa pela “A Galeria”, vê a mostra de tapeçaria de Concessa Colaço, grava seu registro de entusiasmo no livro de entrada. Simpática, agitada, espirituosa, elegante num legítimo cafetã, Concessa ri. Logo fica séria e se recorda de outro baiano, agora moro, e de que de certa forma - embora as diferenças de estilo e execução - substitui na primeira linha da tapeçaria brasileira: Genaro de Carvalho. 

Esta minha exposição em S. Paulo é minha gratidão emocionada a Genaro, nosso mestre tapeceiro que está cada vez mais vivo, nas formas e nas cores que o seu talento espalhou pelo Brasil. 

Concessa é portuguesa, mora no Rio, naturaliza-se brasileira, tem o sangue azul da tapeçaria. Sua mãe, Madeleine Colaço, nascida no Marrocos, era tapeceira e veio para o Brasil em 1940. Criou uma aldeia artesanal no Estado do Rio, junto a Cabo Frio, dirigindo a execução de seus afamados tapetes, nos quais aplicou um ponto de sua invenção, hoje conhecido como “ponto brasileiro”. 


Concessa faz tapeçaria há uns três anos, ampliou a oficina, criou um novo ponto, o “corrido”, inspirado nas tapeçarias do século XI, da Rainha Matilde da França. Só usa lãs e sedas naturais em seus tapetes. Nada sintético. 150 a 180 mil pontos em cada metro quadrado. Antes de se decidir pela tapeçaria, Concessa tentava o piano. 


Deixei de ser pianista e quero ver se não desafino na tapeçaria... Prefiro dar concertos em lã... A emoção de cada tapete terminado... É como avançar cada vez mais uma nova vitória. 

Tapeçaria premiada internacionalmente
Confessa que não tem um estilo próprio, nem sofre influências. Prefere criar uma marca - na linha que herdou da tapeçaria Colaço - a fazer uma arte fácil. Cada tapeçaria que executa, com suas artesãs auxiliares, é discutida, planejada, pesquisada, atentos aos requisitos de estilo de vida do comprador, ambiente onde será cocada a peça, temática, etc. Concessa acha que “interpreta” cada tapeçaria, usando para tal seus reconhecidos lirismo e sensibilidade. Considera-se, sempre, “uma criadora espontânea”. 

Amo as coisas que crio... Mas não peçam muitas coisas de mim. Ninguém tem muito para dar... Nem eu.

Diz que, quando está em seu sítio, o “Espraiado de Maricá”, acorda pelas seis e meia, toma café e banho - confessa-se complexada por banhos, com essências, sais e perfumes - põe um “vestido horrível, mas confortável, cheirando a sol”, e vai desenhar no ateliê. Passa amanhã assim, almoça entre uma e dez e uma e vinte. Às 13,25 exatamente está no ateliê de novo, não espera “pela hora da moleza”. Desenha em preto e branco - flores, galos da serra, santos, temas sacros, desenhos que nunca expôs, mas que inspiram suas tapeçarias. Gosta do sítio, de seu ar bucólico, da Guararema imensa que tombou e renasceu de seus galhos, troncos e parasitas, do rio Espraiado, do papagaio “Molocotá” que trouxe de Ouro Preto e que, nas tardes inspiradas, canta, dança, faz versos... 

Num lugar tão lindo, com o gosto dos perfumes e das coisas belas da vida, sou uma sentimental, sim... E romântica também - confessa Concessa, olhando firme através de seus óculos claros. 


Mas, no Rio, os filhos Thomaz Raul (16) e Luiz Edmundo (19), estudantes secundários, a esperam, “é a hora em que viro mãe, objeto obsoleto e incômodo hoje em dia...” Também aguaram Concessa sua assistente Beatriz Cordeiro e a colaboradora Maria Carp, pintora e escultora marroquina, fiel amiga. E mais, umas 10 moças - “os meus pincéis” - que ajudam Concessa nos remates e bordados, depois dela riscar a mão a talagarça e dar início aos primeiros pontos em cada tapete. Ela não admite o “cartão” em tapeçaria, cria diretamente na tela. Até hoje já fez umas 200 tapeçarias, nunca levando menos de seis meses na confecção de cada uma. Cada peça é vendida em média de 5 a 27 mil cruzeiros, conforme o trabalho que dê. Nos nomes das tapeçarias expostas agora, Concessa dá vazão ao seu espírito: “Euforia de Ouros”, “Sonho Azul”, “Conversa de Azuis”, “Vendaval Rubro”, “Anjo da Esperança”, “Luz do Meu Caminho”, “Do Coração à Flor”, “Dança das Cores em Tempo de Verde”

Salão de Jantar - Palácio do Planalto - Tapeçarias "Saudades do Meu Jardim I e II"

A tapeçaria tem e ter relevo, vida... Não acredito em arte asfaltada... A tapeçaria é uma arte sofisticada, só pode ser feita por gente pura, sem sofisticação... O ponto brasileiro que uso é um samba bordado... em matéria de arte, o Brasil está dando um “show”. Veja-se a monumental exposição do genial Di Cavalcanti, que os paulistas organizaram no Museu de Arte Moderna. 

Voo de encontro ao infinito (tapeçaria)

Concessa fala,conta que já vendeu tapeçarias para A Rainha Fabiola, Sra. Charles Schneider, Jean Ricomar, Lurdes Catão, Glorinha Sued, Olivia Leal, João Soares do Amaral Neto, Mercedes Miranda, Santusa Barcelos, Ilde Maksoud, Ivan Segurado Pisto. Destaca Genaro, sempre, Nicola Douchez e Rubem Dario como mestres tapeceiros brasileiros. Waldemar Szanieck provoca e a elogia, mas Concessa adverte que ainda não se acha segura nem perfeita, apenas usa sua sensibilidade criadora, que a leva a bordar, tocar piano, fazer desenhos e poesias, compor músicas. Seu último samba “A Verdade da Vida”, foi gravado por Elizete Cardoso, Helen de Lima, Agnaldo Rayol, Miltinho e, com grande sucesso na Argentina, por Altemar Dutra. Nesse ponto, Concessa fala de seus ascendentes ilustres, se sangue azul, onde entram diplomatas como Thomaz Colaço, seu pai; ceramistas, como Jorge Colaço, seu avô; poetisas, como Branca de Gonta, sua avó; e poetas, como o príncipe dos poetas portugueses, Thomaz Ribeiro, seu avô materno.

Quadro de Tapeçaria


E Concessa deixa a galeria da Rua Bela Cintra. Vai atrás de Grace & Zilda, jovens artesãs, pintam tecidos a mão com uma técnica especial bem apurada. Concessa quer comprar cafetãs ou saris de seda, pintados a mão. Tem vistosa e espetacular coleção deles. Confessa ser, esse, seu único hobby. “Afora os chocolates”, diz a fiel Marie Carp, piscando um olho para Hector Júlio Paribe Barnabó, o Carybé. 

 TRIBUNA DE SANTOS 14 de novembro de 1971.

2 comentários:

  1. Belo texto e informação sobre a obra de Concessa Colaço. Gostava de saber se ainda é viva, porque ando a pesquizar a certidão de óbito do seu sogro Herculano Nunes dos Santos.

    ResponderExcluir