sexta-feira, 31 de julho de 2015

UM RELATO HISTÓRICO: OS 10 ANOS DO MIS


“O Museu da Imagem e do Som será, na próxima década, a mais importante instituição cultural viva de São Paulo e do país.” Quem diz isso é um dos idealizadores do MIS, Luiz Ernesto Kawall, que teve participação ativa e fundamental na concretização deste centro cultural que tem como meta preservar e registrar a imagem e o som do passado e do presente, como um museu vivo, utilizando os meios mais avançados da tecnologia contemporânea. O atual diretor Boris Kassoy se encontra em Colônia, na Alemanha, para a realização no MIS da mostra “História da Fotografia” com o patrocínio da Bayer. Em Washington, Kassoy entrará em contato com os responsáveis pela Coleção Oliveira Lima, visando outra mostra importante. 

O depoimento de personalidades marcantes na vida nacional, nos seus mais diversos setores, é uma função das mais importantes para a formação de preciosas fonte4s de pesquisas para os futuros historiadores como para os pesquisadores de um passado recente. Períodos conturbados, movimentos artísticos marcantes, posicionamentos políticos são temas que normalmente são inclusos nos rumos de um depoimento. 

A Carta de Princípios e Finalidades do Museu da Imagem e do Som do Estado de São Paulo (ver abaixo) especifica detalhadamente em 10 itens a estratégia cultural a ser seguida, as linhas gerais de um caminho difícil já percorrido pelo MIS, com muitas barreiras sendo transpostas em benefício da sociedade e da história brasileira. 

UM TESTEMUNHO 

Luis Ernesto Kawall, relata o seu envolvimento na concretização do MIS paulista desde os tempos em que freqüentava a Faculdade de Jornalismo Casper Líbero da PUC: “Em 1951 me formei em jornalismo na 1ª turma da Faculdade de Jornalismo, sendo paraninfo Carlos Lacerda, que já vinha se interessando pelo jornal “A Imprensa”, que era feito pelos estudantes, havendo muitos contatos nossos com o jornalista carioca. Convidado por Lacerda permaneci como redator-chefe da “Tribuna da Imprensa”até 1964.” 
“De 1960 a 1961, trabalhei com Lacerda, no Rio, 6 meses como assessor de comunicação de comitê de eleição de sua candidatura ao Governo do então Estado da Guanabara e 6 meses como diretor da Tribuna da Imprensa.” 
“Em 1961, Lacerda cogitou da concretização do Museu da Imagem e do Som – MIS. Levei a ele disco de Dalgas Frisch, estudioso dos cantos dos pássaros, e de Guilherme de Almeida, Hino do 4º Centenário de São Paulo e fotos antigas de São Paulo”. 
“No Palácio Guanabara realizou-se em 1962 a reunião, com vários interessados, inclusive eu – convidado – para a formação do MIS. Faltava o prédio, mas imediatamente Lacerda conseguiu um andar no Banerj, sendo decidido a compra de fotos antigas do fotógrafo Malta, do Rio antigo, como também a aquisição do arquivo de “Almirante”. Depois o MIS mudou-se para o Ministério da Agricultura. Lacerda dedicava maior entusiasmo ao MIS carioca. 

A FORMAÇÃO DO MIS 

“Em 1967, Roberto de Abreu Sodré, foi indicado em Convenção, governador do Estado de São Paulo e escolhido pelo presidente da República Castelo Branco. Convidado para ser assessor de Sodré, impus a mim mesmo duas condições: se eu fosse assessor, tentaria criar o MIS e, segundo, daria força para Ubatuba, como saneamento básico, escolas e turismo, contribuindo para a infra-estrutura dessa cidade que devoto até hoje. Posso dizer com orgulho e sem falsa humildade, ter conseguido as duas coisas.” 

“Entrei no Governo no dia 15 de janeiro, dia da posse do Governador. Sendo já meu feitio, fiz um bilhete para Sodré. “Governador, não acha que deveríamos criar o MIS paulista, à semelhança do MIS carioca, arquivo vivo do registro histórico dos fatos importantes de São Paulo?”Neste mesmo bilhete, Sodré respondeu: “Luiz Ernesto, de acordo. Pode providenciar a comissão organizadora e tocar o projeto”. 

“Formei a comissão organizadora com Paulo Emilio Salles Gomes, Almeida Salles, Rudá de Andrade, Maurício Loureiro Gama, o fotógrafo Avelino Ginjo, Ricardo Cravo Albin, que dirigia o MIS carioca e eu. Sodré se interessou pelo MIS. A posse foi na Rua do Ouvidor, na Secretaria do Governo, presidida pelo Secretário José Felício Castellano. Algumas reuniões foram realizadas no Palácio Bandeirantes e outras se deram em minha casa, passando, esta, a ser um local provisório para debate4s e providências.” 

 “As doações foram aparecendo, com gravações de Murilo Antunes Alves, fotos antigas, através de Avelino Ginjo. E Leônidas da Silva, o “Diamante Negro”, ofereceu o disco com seu célebre gol de bicicleta, no Pacaembu em 1942 contra o Palmeiras, narração de Geraldo José de Almeida. O diretor executivo do MIS carioca, Ricardo Cravo Albin doou um disco, “Vozes do Brasil”, com trechos de discursos de Getúlio Vargas, Oswaldo Aranha, Roquete Pinto, Marechal Rondon, entre outros. 

“Em 1968, diversos fatores contribuíram para dificultar o surgimento oficial do MIS, por ser um período difícil, com o ato institucional e movimentos e agitações nas ruas , etc., e uma série de problemas, até a falta de verbas estaduais.” 

ESTATUTOS 

“Os Estatutos do MIS foram aprovados em 1969, numa cerimônia no Palácio Bandeirantes, sendo que Arrobas Martins, com ação firme, muito contribuiu para incentivar a criação do MIS. Ficou constituído o 1º Conselho de Orientação, assim: Paulo Emílio Salles Gomes pela Cinemateca; Almeida Salles, Rudá de Andrade e eu pelo Gabinete do Governador, Avelino Ginjo pela Associação dos Repórteres Fotográficos, Sérgio Viotti pela TV 2 Cultura e Sergio Vasconcelos Correa pela Ordem dos Músicos. Oficialmente o MIS foi criado pelo decreto-lei n.º 247, de 29.5.1970.” “Como idealizador e principal coordenador do MIS, Arrobas Martins, Abreu Sodré e Orlando Zancaner, este secretário de Cultura, insistiram muito para que eu fosse o 1º Diretor Executivo do MIS, mas mesmo assim não aceitei, pois, achava que me faltaria qualidades de museólogo e, como jornalista, estava empenhado nas duras funções de assessor de imprensa do Governador. Indiquei , então, Rudá de Andrade, conhecido por todos, e muito interessado no MIS.” “Terminando o governo Sodré, aceitei o cargo de 1º Diretor Técnico do MIS, função que exerci dando ênfase às gravações dos depoimentos, convênio com a Cinemateca e compra do acervo de documentários de Primo Carbonari, que, infelizmente, não se efetivou. O governo lançou dois importantes decretos, em um cedia os Campos Elíseos para sede do MIS e, outro, obrigava que cada administração pública encaminhasse todas as fotografias e filmagens, cada ano, ao MIS.” “O MIS teve várias sedes, a primeira, na Rua Antonio de Godoy, 88, com duas salas, e seu depósito de material no Palácio Bandeirantes; em seguida, nos porões do Palácio dos Campos Elíseos, que se encontrava em reforma; depois, mudou-se para dois sobradinhos, praticamente em ruínas, na Alameda Nothman e, transferiu-se, em seguida para a antiga seda da Secretaria, na Avenida Paulista, 320, sendo que, nesse local, foi obrigado a deslocar-se de andar para andar. Depois o MIS conseguiu alugar uma casa na Rua Oscar Pereira da Silva, 114, no Itaim, onde permaneceu por quase dois anos. Finalmente passou para a sede definitiva, à Avenida Europa, 158.” 

GRAVAÇÕES 

“Na minha gestão como diretor técnico incentivei as gravações de personalidades importantes como Arrelia, Piolim (no vagão do circo, onde morava), Volpi (em minha casa), Antonio Ermírio de Moraes (nas Indústrias Votorantin), Warchavck (1ª gravação feita, em 1971) e outras.” 

“Estudamos também um convênio com a Cinemateca para salvar seu acervo, o maior da América Latina. No 2º semestre de 71 fui notificado pelo diretor do DACH, Paulo Bonfim, que, como ocupava cargo de confiança, tinha que devolvê-lo. Terminei, assim, sendo afastado do cargo de Diretor Técnico, deixando expresso durante o exercício desta função o meu grande interesse pelas gravações dos depoimentos.” 

“A primeira gravação foi de Warchavch, de improviso, em sua casa na Avenida Europa. O famoso arquiteto cedeu livros e fotos, contou pormenores de sua vida, da “Casa Modernista” e do seu encontro com Le Corbusier. Silvia Baiense, com seu gravador portátil registrou a entrevista de 80 minutos.” 

O depoimento de Antonio Ermírio de Moraes foi na sede das Indústrias Votorantim. O depoimento foi coordenado pelo jornalista João de Scatimburgo e contou com a participação de diversos jornalistas da área econômica. As perguntas, enviadas antecipadamente, foram formulados pelo conselho do MIS. 

“O depoimento de Piolim foi coletada diretamente num vagão de circo na Casa Verde, no fundo de um quintal, na Casa Verde onde morava. Piolim se vestiu a caráter e falou sobre sua vida e a ligação que teve com os modernistas, oferecendo a bengala, as vestes, o colarinho e o chapéu para o Museu. A doação não foi aceita pelo Conselho, pois o MIS fundamentalmente visam o registro da imagem e do som. Parece que o MASP ficou com os objetos de Piolim. Paulo Em,ílio Salles Gomes coordenou esta gravação, na qual depuseram também Arrelia e Chincharrão.” 

“Na minha casa Volpi fez seu depoimento, dialogando com Mario Zanini, Rebolo, Spanudis, Aracy Amaral, Rudá de Andrade, Fiaminghi, Mario Schemberg, Almeida Salles, Clovis Graciano, Maria Eugenia Franco e Décio Pignatari. Do meio dia às 5, começando com um almoço, gnocchi à bolonhesa, bragiola e vinho Chianti, seguiu-se amplo debate sobre a obra volpiana com acirradas polêmicas e intervenções de Volpi, do maior interesse. A certa altura conseguimos esconder um microfone debaixo da mesa e confissões intimas surgiram.” 

ENTIDADE VIVA “Com o decorrer do tempo, o MIS se tornou um entidade viva com reuniões semanais do Conselho de Orientação, que sofreu modificações com a entrada de Walter George Durst, Maria Rita Galvão e Boris Kossoy em lugar de Sérgio Viotti, Paulo Emilio Salles Gomes e de Avelino Ginjo, respectivamente, estes dois últimos falecidos prematuramente, e que tanto deram ao MIS.” 

“O MIS, sob a direção de Rudá de Andrade, conseguiu firmar-se, com sede própria na Avenida Europa, construída pelo mesmo secretário Pedro Magalhães Padilha, que havia retirado a instituição dos Campos Elíseos. Tem atuação meio universitária, na difusão da fotografia, nos convênios firmados, no cinema e em diversas exposições. Infelizmente, em alguns setores, não atingiu o pretendido. Deve-se citar a atuação do secretário Max Feffer, que deu bom impulso ao MIS.” 

“Espero que, com Boris Kossoy, elemento de alto nível, outros objetivos sejam alcançados. O MIS foi formado para ser um museu vivo da cidade de São Paulo, uma importante instituição cultural, capaz de registrar a memória paulistana e isto será alcançado nos próximos anos.”

Entrevista à FOLHA DE SÃO PAULO
em 8/1/1981.

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