quinta-feira, 2 de julho de 2015

Walde Mar e Aloísio, dois bons primitivos

Na abertura da mostra de Walde Mar, a Mini-Galeria do USIS regurgita de gente. O grisalho Alan Fisher, o jovial Tomas Scott e o sempre apressado Tito Silveira recebem os convidados. Mais adiante, miúdo, moreno e elétrico, o industriário e primitivo de 32 anos faz um sucessão. Henrique Araújo, protetor de primitivos, também está ali. O telefone toca, Aldemir Martins do outro lado:

- Walde Mar, me reserve um quadro seu, não pude ir até aí. 

- Já vendi todos os quadros, meu velho. 

- Pelo meu São Francisco do Ceará, então você faz outro pra mim! 

É Aldemir. É São Paulo de “A” a “Z”, como diria Tavares de Miranda, que não fica de jeito nenhum sem uma tela colorida de Walde Mar. Ele exulta, junto ao velho pai escultor - baiano curtido - e do irmão Neuton, do grupo de pintores primitivos de Osasco, que o lançou na arte dos ingênuos e dos folclóricos. 

Vinte horas. Walde Mar se despede de seus amigos primitivos, do grupo da Praça da República. Ali estão Joel Câmara, um dos grandes desenhistas do Brasil; retintas e alegres, Isabel Santos e Waldeci, esta irmã do pintor-“hippie” Waldomiro de Deus, agora em giro vitorioso pela Europa; Márcia, Peri e os filhos, “a família pintora” do Taboão; a sutil Lis, a inteligente Pulu e a bela Elaine; Ugarte, como sempre, fazendo muito barulho; e os amigos de todas as horas, Ivair, Abdias, Aloísio, Dirceu, Elias e Pedro Fogaça. 

As lendas dos Villas-Boas 

Walde Mar de Andrade e Silva nasceu em Timburi, SP, a 6 de novembro de 1933 e começou a pintar em 1969. Casado com Maria José Zanforlin, 2 filhas, Maria e Wanda. Trabalha nos escritórios da Bordon, na Lapa. 

Seus motivos são exclusivamente os temas indígenas. Sua primeira individual é realizada agora, na Mini-Galeria, onde estão as telas coloridas, espontâneas, todas inspiras em lendas narradas por Cláudio e Orlando Villas-Boas em “Xingu, Seus Índios e Seus Mitos”. Já participou de 19 mostras coletivas e em dois salões oficiais, ganhando menção honrosa em ambos. Tem telas vendidas a colecionadores de vários países. 

 - ... Minha maior preocupação é com a comunicação com o mundo indígena do nosso país... Só pinto, quando tenho vontade, quando vem a inspiração... Acho que sou um pintor espontâneo e livre... Gosto de vender na praça, aos meus clientes habituais e aos turistas estrangeiros... Não imito ninguém, já me disseram que há alguma coisa de Rousseau nas minhas telas, mas confesso que nunca vi nada desse Rousseau... Gostei da apresentação do professor Egon Schaden, na verdade nada tenho de sofisticado e de escolas... Quero ser autêntico sempre. 

Quanto às cores, se encaixam 

Aloísio Lucas de Siqueira, 32 anos, Serra Talhada - Pernambuco. Veio a S. Paulo em 1958, foi barbeiro durante 6 anos. Iniciou-se acidentalmente na pintura primitiva e está mergulhado na arte ingênua e bruta até hoje. Nem tanto bruta... Aloísio é um colorista sensível e geométrico. 

- Você imita Volpi? 
- Não, admiro grandemente Volpi, como Djanira, Di Cavalcanti, Tarsila, José Antonio da Silva, Cássio M’Boy, Walde Mar, Neuton e tantos outros... Volpi tem 50 anos de arte, eu tenho 6, não tento imitá-lo, mas espero chegar à altura que ele chegou. 

Aloísio é casado com a cearense Maria Nilsa de Souza Siqueira e tem 3 filhos, Maria Aparecida, José Renato e Maria da Glória. Pinta na sua casinha de dois cômodos em Socorro, Santo Amaro, e vende sua produção esparsa aos amigos importantes, a turistas estrangeiros, ao protetor Mário Schemberg. Gosta dos motivos do Norte, “mas não pinto a miséria e a forme nordestinas, que são muito dolorosas”. 

- Vim tentar a vida em S. Paulo e acho que venci, e estou satisfeito, pois não faço pintura influenciada de espécie algum e sou autêntico... E vou ser franco dizendo que acho mais fácil fazer um quadro que cortar um cabelo duro e rebelde... Quando a inspiração vem, é claro. 

A agitação na Mini-Galeria está terminando. O consumo do uísque nacional e mandioca assada foi grande. O consulado norte-americano volta ao seu movimento normal, no coração da Avenida Paulista, burocrático. O senhor cônsul-geral despacha uma papelada. 

A Crítica 

Aloísio possui um domínio notável da cor. Começou a pintar em São Paulo, quando era bombeiro em Osasco. A sua expressão cromática, eminentemente atual, foi sem dúvida influenciada pelos cartazes publicitários. Por outro lado conserva a pureza do sentimento sertanejo nordestino e a sua religiosidade quase romântica, que dão uma qualidade excepcional à sua pintura religiosa. Aloísio revela um senso sobremodo interessante do demoníaco em alguns de seus palhaços. Ele pintou admiráveis quadros em flores, utilizando efeitos óticos com muita propriedade. É um primitivista OP... Está em evolução. Pode tornar-se um construtivista cromático, como Volpi (Mário Schemberg ao repórter, no saguão do Museu de Arte, após o espetáculo “Cordel”).
 A TRIBUNA 20 DE JUNHO DE 1.971.

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