quinta-feira, 2 de julho de 2015

SILVA, PRIMITIVO E AUTÊNTICO

José Antonio da Silva
(Autorretrato)
– Eta exposição danada de bonita, meus quadros atuais estão uma beleza! O Isaac e a d. Berta estão vendendo tudo! 

José Antonio da Silva está expondo na galeria “A Ponte”, na Haddock Lobo, com sucesso certo, vendidos já 26 quadros. É o mesmo primitivo que teve sala especial na Bienal de Veneza, em 1952. Ele mora em São José do Rio Preto, tem quarto alugado num hotel da Rua Vitória aqui na Capital, há 3 anos não expunha suas telas. Isso alegra o pintor que acaba de construir uma casa em Rio Preto, com dinheiro todo ganho com sua pintura. 

– Coloquei a antiga casa em nome de Rosinha, minha mulher, e a nova, que é uma mansão, está no nome dos filhos. ... Assim, ninguém pode reclamar, me deixam sossegado para pintar, lutar, ganhar a vida com minha arte... Dona Rosinha não gosta do que eu faço, nem os meus filhos... Eu pinto porque minha arte é uma coisa bonita, sem ela não posso viver. Pinto ouvindo música caipira, de manhã bem cedo, e minha mulher e meus filhos nem de música caipira gostam... E aqui em São Paulo estou junto de gente que entende de arte, pinto no hotel mesmo, acordo às duas da manhã e só vou parar à tarde... Os críticos e os colecionadores me visitam, compram meus quadros, uma beleza.

 – Por que rasgou 40 telas de dona Rosinha? 

– É verdade. Ela começou a pintar me imitando e isso no futuro poderia confundir todo mundo... Fiz isso para proteger a minha arte. 

– Como o pessoal de Rio Preto está recebendo esse novo sucesso em São Paulo? 

– Muito bem. Lá, agora, sou bem tratado, o prefeito, os vereadores, as autoridades me apoiam e prestigiam. Estou contente, o empo das perseguições já acabou. 


– Já se mudou para a nova casa? 

– Já. Ficou uma mansão, construí tudo com o dinheiro da minha arte. 

– Um crítico daqui, Cesar Giobbi, criticou suas telas atuais, dizendo que você não evoluiu, é o mesmo de anos e anos atrás... 

– Que bom! Continuo então igual à minha pintura anterior que era uma beleza! Se tivesse piorado, mas não, continuo o mesmo e fiel à roça, à nossa gente, ao nosso folclore bem brasileiro. A minha pintura, eu acho, mudou para melhor, estou com técnica melhorada e ainda é aquela mesma pintura primitiva que corre o mundo. 

– Seus projetos futuros? 

– Pintar muito e guardar dinheiro para a velhice, embora me sinta jovem e disposto para pinar, viajar, amara vida... Agora, vou correr o Brasil para pegar novos temas do nosso interior, lendas, rios, tradições... Vou editar, de acordo com Isaac Krasilchik, dono de “A Ponte”, todos meus livros anteriores – “Romance da Minha Vida”, “Alice” e “Maria Clara” e discos de música do sertão e do folclore – e ainda quero fazer com a Maria Clara um outro disco com músicas que o pessoal da roça canta... E pintar muito, sempre. 

Carro de boi e fazenda

– E o novo romance? 
– Será o “Dolores”, uma história duma família de espanhóis; eram 62 pessoas, só restaram duas. Um drama comovente, que vi de perto e conheço a fundo... História verídica, um romance que vai virar “best seller”, todo mundo vai ver e acreditar no Silva.

– Como se sente saindo em fotos, em colunas sociais, no Tavares de Miranda? 
– O Tavares é um grande amigo, foi a Rio Preto numa festa em que fui homenageado com outras pessoas, me abraçou. É bom que tanta gente importante conheça o meu trabalho, colecionadores de arte, etc... Sou um artista do povo, mas que deseja que sua arte bem brasileira seja conhecida e estimada por todos. 

– Como viu o ambiente de arte em São Paulo? 
– Bem, com galerias e leiloeiros se movimentando... Acho a capital de São Paulo o maior centro de artes do mundo, reconhece os valores, com exceção de uns poucos, mas isso não interessa. 

– E a arte brasileira? 
– Com alguns poucos bons valores, esses, realmente, grandes valores, mas não quero citar nomes. 

– Vai concorrer à próxima Bienal? 
– Virge Maria! Nem amarrado. As bienais são o inferno do mundo e dos artistas. Se eu concorrer a uma bienal o mundo vira de pernas pra cima... Quero antes me ver morto a entrar numa bienal. 


– Como vai seu museu em Rio Preto? 
– Vai bem. Agora eu sou secretário. O museu ficou para a Prefeitura Municipal. Está uma beleza, muito visitado e o acervo que eu formei é muito bom... Agora, em casa, tenho um outro museu, um museu particular, com mais de 1.500 peças populares, antiguidades, relógios, estribos, cilhão... Até carro de boi tem. Tudo muito bonito. 

– Silva, qual é sua fé? 
– Acredito em tudo e em nada ao mesmo tempo. Confio mais em minha arte que nas pessoas em geral. Agora, porém, tudo está mudando. Recebi homenagens do casal Onadyr Marcondes – Cecília e Onadyr, ele é conselheiro do Tribunal de Contas – com a presença das mais altas personalidades de São Paulo... E todos me elogiaram, a minha pessoa e a minha pintura... Isso tudo foi muito importante, fiquei com o coração doendo e com vontade de chorar.

– Você continua sendo um primitivo famoso em todo o mundo... 
– Mas claro! Dizem que sou o pintor primitivo mais importante do mundo. Isso não sei, não sei nem se sou mesmo primitivo só. A Diná Coelho acha que sou um grande artista, mais que um primitivo, que pinto com maciez e movimento, uma pintura real, autêntica, pura... Eu sou o que sou, o pintor caipira que venceu no mundo da arte. 

José Antonio da Silva (1909/1996) é, ao lado de Chico da Silva, o mais famoso e importante pintor primitivo brasileiro. Nasceu em Sales de Oliveira, SP. Já aos 12 anos desenhava no chão e nas folhas de café. Começou a desenhar em papelão e mais tarde com tinta a óleo sobre tábuas de madeira. Transferindo-se do campo para a cidade de São José do Rio Preto, onde mora, passou a pintar sobre tela e, em 9146, três daqueles trabalhos foram pela primeira vez expostos. Silva era então porteiro de hotel, depois de ter sido, no campo, colono, meeiro, domador de burro, etc. Teve uma vida artística agitada, cheia de lutas e perseguições. Desde 1946, quando participou da exposição coletiva na Casa da Cultura de São José do Rio Preto, ocasião em que recebeu o primeiro prêmio dos críticos Lourival Gomes Machado, Paulo Mendes de Almeida e João Cruz Costa, sua vida artística foi um crescente, tendo participado da I Bienal de São Paulo, em 1951, ocasião em que recebeu o prêmio de aquisição do Museum Of Modern Art (MOMA), de Nova Iorque, até a Sala Especial na Bienal de Veneza de 1966. Daí por diante passou a expor continuamente tanto no Brasil como no exterior.

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