quinta-feira, 2 de julho de 2015

DJANIRA, VIDA ROMANESCA


Quando Djanira morreu, a artista de Avaré (SP) não era só de sua cidade sorocabana, mas, uma artista do Brasil. Era junho de 1979 e a pintora primitiva, ingênua, aos 65 anos já se firmara com um nome maior da arte nacional. 

Embarque de banas

Quem chorou Djanira da Motta e Silva em jornais de São Paulo e Rio de Janeiro? Nada menos que um Israel Dias Novaes, um de seus padrinhos, toda a vida, Frederico Moraes, Portinari, Rubens Braga, Di Cavalcanti, Mário Barata, Manuel Bandeira, Eleonor Roosevelt, em N. York. 

Mais interessante, a Djanira de Avaré, São Paulo, Rio de Janeiro, Nova York era agora não uma das grandes pintoras do Brasil, mas a humana, simples, mãe e mestra, irmã leiga da Ordem Terceira das Carmelitas Descalças, chamando-se Irmã Teresa do Divino Amor. Morava no Rio, onde recebeu o Diploma e medalha da Cruz Pro Ecclesia et Pontífice, conferidos pelo Papa Pulo VI, em 1972. 

Três Orixás

O jornalista e escritor Gesiel Theodoro da Silva Júnior fez, pela Editora Arcádia, em 2000, uma homenagem sentida e de extraordinário valor documental, historiando toda a vida terrena da pintora avareense. O livro é exemplar, definitivo e único de sua vida de artista, desde seu nascimento em Avaré em 1914, até o falecimento no Rio de Janeiro (31/5/1979). Diz: 

“Abandonada, dolorida, desprezada, resolvida, empenhada, perseguida (foi presa política), premiada, querida e consagrada... porém nunca... suficientemente definida”. 

Escreve em sua odisseia de mulher do povo, independente, primeva, capar de viver com saga e sangue. Morreu querida e consagrada, “uma das maiores pintoras brasileiras”, segundo Loris Graldi Rampazzo, doutora em Artes Plásticas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. 

Festa do Divino em Paraty

Djanira era também poeta e teve vida romanesca: 

Eu vi nas cores de marfim 
Um elefante selvagem 
Que viera das Índias 
Oferecendo-me caminhos 
Onde poderia 
Perigosamente 
Fechar meus olhos 
E partir partir... 
Mas era pecado e viajei no pecado
Ao infinito viajei 
E perdi-me no empo 
Que era pecado 
(Poema “Viagem”, de Djanira) 

Outros capítulos que retratam a vida pitoresca, agitada e artítica, plena de louvores e decepções, alegrias e vida interior da artista “abanando café”, “calvário no sanatório”, “na cozinha da pintura”, “profecia de Segall”, “entre Juscelino e Portinari”, “Da Motta e Silva” (baiano, marido, defensor até o fim de sua vida), “presa política”, vida no Rio... Poemas e pensamentos, a roda dos artistas amigos, Irmã Teresa, “como os anjos”, “Sant’Ana de Pé na Pinacoteca do Vaticano”, “tributo à artista maior”, o painel de azulejos do Brasil (160 metros quadrados) – encomendados pelo então governador Carlos Lacerda, inicialmente instalados no túnel Santa Bárbara, hoje no Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro. 

Djanira disse: “Plasticamente falo o que entendo”, e verbalizou sua autenticidade: “Tenho raízes plantadas na terra, não traio minhas origens, nem me envergonho de ser uma nativa”. 

De sua natureza, proclamou: “Quero a serena pureza da alma humana desejosa de entendimento universal”. 

E não escondia sua bravura: “Como artista não tenho medo da realidade que me cerca”. 

“Sou rigorosamente democrata, nacionalista, pela autodeterminação dos povos, aintiimperialista, contra o dirigismo da cultura.” 

“Sou formalista, Sou Brasil, Sou Djanira”.

O REBOLINHO ME CONTOU

“Djanira veio de Avaré para São Paulo ver o ambiente artístico. Estava começando. Na época eu presidia o Clubinho dos Artistas e, às vezes, a linda morena fazia parte de nosso grupo de artistas. 

Uma noite choveu e ela perdeu a hora de voltar ao hotel. Eu ia para cara e ofereci à Djanira se queria se hospedar em minha casa. Ela topou. Fomos em minha moto “Galatéia”. Uma aventura debaixo d’água, a subir pelos morros do Morumbi.

Enfim chegamos e eu chamei minha mulher, a Lisbeth. Acordei-a. Disse: “Olha quem eu trouxe para dormir aqui”, e apontei para traz. 

Não tinha ninguém na boleia. Djanira tinha caído na subida do Morro (hoje Palácio dos Bandeirantes). Encontrei-a p. da vida, caída, em meio a poças d’água e na chuva. Levei-a pra casa e ao nosso conforto com a d. Lisbeth.

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