domingo, 22 de novembro de 2020

De Hebe a Pelé, de Pelé a Mabe

O Rei fará maravilhas no mundial e depois abandonará o futebol. A profecia é de Paulo Gaudêncio, o psicólogo mais badalado do momento. Pelé assume hoje em dia a importância de herói nacional, e, sem qualquer contestação, é um ídolo eterno que jamais será destruído. Bauer e Mauro Ramos de Oliveira abem depõem: Pelé está sacrificado em peladas amazonenses; seu futebol genial deve ser reservado para o México. Gaudêncio vê em Pelé a figura com a qual se identificam todos, a começar pelas crianças pobres que não têm oportunidade de realização e apenas mantém sonhos. Mas, toda idolatria é destrutiva. Com o passar do tempo, evolui para a inveja. E cada um dos que colocam Pelé num pedestal, vai tentar destruí-lo. Pelé ainda é o maior jogador do Brasil. E os que o admiram não se conformam em verificar que o Rei já não pode oferecer ao futebol o que tinha aos 20 anos. Todos teimam em esquecer que Pelé é um ser humano. A idealização se desfaz com a realidade do próprio ser humano, que não é o ser perfeito que os seus admiradores transformam em ídolo. 

O ídolo Hebe 
Sempre que a cortina abre, em seu programa, suas mãos tremem. São quatro anos de entrevistas (2.187), nunca faltou a um só espetáculo. São 960 horas gravadas de vídeo - tapes, correndo todo o Brasil. É o ídolo da TV: a Sra. Hebe Camargo Capuano. A produção quis, há algum tempo, usar ponto eletrônico, pára acabar com os “lindinho”, “bonitinho”, “que gracinha” de Hebe. Hebe passou a usar um pequeno alto-falante, preso por trás do penteado. A equipe ajudava, orientando as perguntas, através do aparelhinho escondido. - Hebe, pergunta isto, pergunta aquilo... E de repente a Hebe espontânea, improvisada, descontraída de sempre, virando-se e falando alto: - Essa pergunta eu já fiz. Cala a boca. 

O ídolo Mabe 
Luiz Martins foi convidar o governador para sua posse na Academia Paulista de Letras. No salão nobre do Palácio dos Bandeirantes admira a arte inigualável de Segall e Portinari. Tarsila e Graciano, Djanira e Maria Leontina, e de Manabu Mabe. O prefeito do Interior pergunta se o abstrato de Mabe é um rabo de vaca ou uma viagem dos americanos à Lua. Um assistente de imprensa de Sodré entrega um bilhetinho ao prefeito. Faz assim sempre, já tem seu escrito impresso em “xerox”. Sr. Prefeito. A arte moderna é como viajem à Lua ou os mil gols de Pelé - não se explica. Nunca ninguém tentou, também, “entender” uma sonata de Beethoven ou uma “fuga” de Bach. O sujeito gosta ou não gosta. Se gosta, se sentiu uma manifestação de prazer ou de beleza, está diante de uma obra de Arte. A arte de hoje pode ser figurativa, à base de figuras, ou abstrata, exprimindo sentimentos. Neste caso valem mais as formas, as cores, a composição plástica. Se a tela de Manabu Mabe lhe agrada, vale tanto quanto o chafariz musical ou de pastilhinhas de sua cidade. Mas não tente explicá-la, e, sim, senti-la. Procure captar todo o sentido, e, mais do que isso, toda a beleza da arte moderna. A Tribuna Santos, 12 de abril de 1.970.

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