Procuro sempre a síntese da cor, a forma e do espaço. A cor, no sentido puro e limpo, sem recursos de quaisquer outros meios, que possam encobrir o problema fundamental e real a pintura pura. Sem artifícios que possam eventualmente iludir e enganar os olhos do espetador menos experiente... Creio que o importante é procurar dizer o maior número de coisas com o menor número de palavras. Falar demasiado, usar inúmeras frases, um vocabulário imenso, para pouco ou nada dizer, eis um problema sério que defrontamos muitas vezes, na própria vida cotidiana e, consequentemente, na Arte... E de grande importância a simplicidade. Dizer o máximo na obra de Arte, com o mínimo de recursos. E com o mínimo, deixar o trabalho resistir e crescer com o tempo.
Arcângelo Ianelli está completando, este ano, 50 anos de idade e trinta de pintura. Ele próprio abre o grande portão antigo de madeira, na modesta rua da Vila Mariana onde mora. Até chegar à casa, o corredor é comprido, com vegetação dos lados, uma verdadeira alameda tropical. Tem, confessa, o raro hobby dos homens ocupados e conscientes: a jardinagem. Afora isso, a busca incessante, a procura da sua pintura-verdade, uma luta que dura três décadas. O pai, construtor e comerciante, queria que o “giovanott” tão arguto se formasse em Engenharia. Arcãngelo deixou o comércio, os estudos, a arte era sua verdadeira vocação interior. A casa e o ateliê despontam agora, o jardim tropical invade a ampla sala de entrada, a lareira e o ateliê; sofás de tijolo aparente, peças pré-colombianas pelas paredes, quadros de Charoux, a bela peça de Stockinger, amis esculturas, entalhes de madeira pintada (o filho é o autor), o ambiente é de quietude, lembrando um velho mosteiro. Pintando, Ianelli exige silêncio de familiares e amigos, até dos vizinhos – gosta da tranquilidade para trabalhar, produzir e viver. A exceção é a vitrola moderna tocando Bach ou Vivaldi, colocados por sua mulher, Dirce, - 28 anos, confessa, de uma feliz união.
O quadro deve falar apenas por si sem necessitar de dissertações. Deve transmitir algo às pessoas sensíveis, somente pelo conteúdo pictórico. Nunca com a finalidade de “contar uma história revelar estados psíquicos”, est. Devemos deixar esse problema aos literatos que se expressam muito melhor em seus livros... Um pintor deve ter em mente realizar, antes de mais nada, pintura... Um quadro não é um livro contador de histórias, descritivo, ilustrativo ou explicativo. Pouco importa o que possa representar. Antes de mais nada terá que ser observado e alisado como pintura, na correlação das formas e das cores, em suma, os valores plásticos na sua visão maios pura e mais profunda... E o essencial é que deva irradiar aquela sublime sutileza, aquela misteriosa mensagem, tão difícil de descrever, mas que se sente através dos olhos e da sensibilidade que se chama simplesmente: Arte.
Ianelli vai justificando na pintura, teses.
Não é apenas o “suporte” ou o material que determina ou modifica o sentido do novo e da criação. O que realmente conta é sempre o artista, que poderá usar desde o óleo e a tela tradicional e realizar um trabalho novo e de vanguarda, até os plásticos, alumínios, ferro, madeira, etc. No entanto, na obra, é preciso ter vivência, coerência e diretriz... Em Arte, nada se improvisa levianamente. As mudanças constantes, em desabalada corrida, interminável e sem sentido, apenas para se colocar a qualquer preço na posição de “vanguardista”, arriscam deixar tudo somente na superfície e sem continuidade. Cada artista difere do outro, no temperamento, na sensibilidade, no caráter, etc. Essa é a razão pela qual se devem aceitar quaisquer manifestações de Arte, reveladoras de temperamento tão diversificados, e até mesmo contrastantes, pois a importância na Arte reside justamente na sua infinita amplitude e variedade.
Ianelli trabalha muito, desde as oito da matina. Toma um café simples, lê o “Estado” e a “Folha” – tudo, artes, política, internacional, só não gosta de futebol e polícia. Almoça em casa, pina também à tarde, e seguramente também à noite, “se o silêncio ao redor foi completo”. E antes de pegar no sono, lê, atualmente está mergulhado em Hesse. Pinta, diz, como necessidade interior e também como tentativa de comunicação.
Por outro lado não possuímos nenhuma autoridade para poder prever e afirmar tão categoricamente, no dia de hoje, o que é válido ou não... Que certos meios de expressão estão mortos e que é certo somente o que está indicado no “cardápio do prato do dia”... Acredito que o tempo poderá confirmar ou desmentir esse julgamento... Deve o artista optar pelo que melhor possa condizer com o seu temperamento, escolhendo e usando os materiais que posa satisfazê-lo. Mas, nunca, ser um simples “robô”, seguindo inconscientemente o que se apresenta de “mais novo”... Sabemos que o “novo” corresponde sem dúvida à etapa atual da civilização, à era tecnológica que se inaugura nos dias em que vivemos. A arte atual, seja qual fora sua expressão, retrata e deve refletir o caráter e as tendências desse novo estágio em que o homem penetrou, desde as duas revoluções industriais... Apesar disso, o homem não se desprende completamente do passado. Na opinião de Francastel, a “angústia do homem contemporâneo reside em estar ele com um passo no renascimento e outro na idade tecnológica"... O artista como um “sismógrafo”, capta, antes de qualquer outro, esses sinais dos novos tempos.
O crítico Paulo Mendes de Almeida telefona, é o maior amigo de Ianelli, sem desmerecer outros, críticos, intelectuais ou pintores. Camisa esporte, de óculos que põe agora para ler melhor, a calva consagrada, Ianelli folheia os três álbuns que organizadamente contam suas histórias e andanças pela arte. Ali estão as fotos e suas entrevistas de artista premiado e viajado. Dirce conta episódios pitorescos, viajaram com os filhos durante dois anos pela Europa, num carro-reboque, aproveitado os dólares de Premio Nacional.
Ianelli já fala que acha esplêndido o movimento das artes no Brasil de hoje. Mais cursos, mais jovens no campo artístico, mais salões, mais prêmios, mais exposições, mais galerias, mais leilões... Só a Bienal, responsável por grande parte desse avanço, está precisando de uma reestruturação... Aparecem novos de valor, valores mais antigos se firmam e se beneficiam com um mercado maior. Agora entram no ateliê adentro, dois jovens, Franz e Toshi, são colecionadores de telas de Ianelli. O pintor só não é professor – já foi convidado – porque tempo não tem. Alguém situa o avanço dos primitivos como uma das características da arte brasileira dos dias atuais. Ianelli ri e contesta. Ele não gosta dos primitivos, com poucas exceções:
A Arte é universal. Quando ela se limita a um regionalismo ou a um folclorismo vulgar, ela desce ao anedótico e ao documentário sem sabor. Goethe já se expressou num pensamento lapidar: “Não existe arte patriótica, nem ciência patriótica – ambas pertencem, como tudo que é excelso e belo, ao mundo inteiro”.
UM ARTISTA MADURO E LIBERTO
... Arcângelo Ianelli ingressa de maneira definitiva no grupo dos melhores pintores brasileiros. As telas que apresenta são obra de um artista maduro, sereno, que encontrou a sua linguagem pessoal e que não se utiliza de artimanhas de matéria ou de efeitos de técnica para chamar a atenção. A sua pintura é direta, simples e despojada na maneira de execução na cor – torturado, angustiado, frenético, cheio de dúvidas e de premeditações, a pintura de Ianelli representa um intervalo de equilíbrio sereno, de fé na beleza. – Nesta sua fase atual, Arcângelo Ianelli mostra clara e definitivamente que é um dos grandes pintores de sua geração. – MARC BERKOWITZ.
No panorama da Arte Brasileira, Arcangelo Ianelli é uma figura de primeiro plano, que ainda jovem, chegou ao auge de sua maturidade artística. É a sua arte, uma arte pura, liberta do trágico como a desejava Piet Mondrian. Pesquisando e desenvolvendo desde muitos anos a sua linguagem pessoal, ele chegou nos seus últimos trabalhos a um equilíbrio total da forma e da cor. As cores intensas nascem com a monumentalidade das formas, criando uma harmonia e majestade únicas na Arte Contemporânea Brasileira. É para nós cada quadro de Ianelli um coral triunfal no qual a forma gera a cor e a cor a forma – LISETA LEVI – 1972.
... Essa perseverança de um homem na investigação daquilo que é a sua íntima verdade pessoal, infenso às inovações passageiras, é o que lhe permite, como bem assinalou Mário Pedrosa, “um crescimento interno em profundidade”. Ele é o contrario da biruta, sempre dócil às variações do vento. Porque é um artista necessário, um artista convicto e fiel como foi Segall, buscando sempre num mesmo veio, recôndito e inesgotável – bem certo de que o ouro não está na superfície e que para extraí-lo é imprescindível cavar, até que sangrem as mãos...– PAULO MENDES DE ALMEIDA – 1970.
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Esse artista, na plenitude de seus meios, chegando a uma maturidade que raros encontram entre nós. – Personalidade forte e confundível de um pintor ainda moço e já de tal proeminência em nosso meio artístico. – JOSÉ ROBERTO TEIXEIRA LEITE – 11.4.63.
... A força do artista está toda em sua fidelidade de tratamento e t ema, num tempo em que tanta moda leva para qualquer lado os pintores – a de Ianelli permanece excelente pintura, valorizada e vincada por uma experiência arduamente vivida... – GERALDO FERRAZ – 7.11.69.
... Para mim é uma revelação o alto nível da pintura atual de Arcangelo Ianelli. O que me prendeu a atenção, antes de tudo, na arte do jovem pintor paulista, foi a profundidade da sua visão pictórica. É inegável que obriga o observador ou o crítico a debruçar-se sobre os seus trabalhos com uma curiosidade aguçada, que não deixa margem a nenhuma gratuidade. – ANTONIO BENTO – 1961.
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Eis aí um raro artista jovem de nossos dias que ama o métier, o qual lhe parece necessário como um órgão manipulador num sistema orgânico sadio. Pode-se dizer que fez o curriculum acadêmico para, pouco a pouco, perde-lo, no seu exercício, e se achar a si mesmo. E daí para partir para um crescimento interior em profundidade, e fundir, afinal no seu espírito, os meios de expressão que na sua prática criou para si (e não os aprendeu nas receitas acadêmicas) e a finalidade a que mira e que, misteriosamente, se vai desvendando à sua frente... – MÁRIO PEDROSA – 1961.
...Já em 1961, Mário Pedrosa escrevia que Ianelli não se preocupava muito com as inovações, às quais opunha “um crescimento interno em profundidade”, o que é sem dúvida mais difícil. Ianelli pode ser incluído no elenco daqueles que trabalham para salvar a pintura, contrariando os manifestos que já há vários anos anunciam o seu fim. – MURILO MENDES – ROMA, 1966.
Arcangelo Ianelli nasceu em São Paulo em 1922, filho de imigrantes italianos de Nápoles. Desde cedo iniciou-se em desenho, para posteriormente, em meados de 1942, dedicar-se a estudos de pintura, mural e afresco. Estudou 6 meses com Waldemar da Costa e fez parte saliente do Grupo Guanabara, com Mabe e Fukushma. Durante 15 anos seus trabalhos foram figurativos, passando por lenta evolução, chegando sucessivamente ao expressionismo e ao abstrato quase geométrico atual. Passou os anos de 1965 e 1966 na Europa, com o “Prêmio de Viagem ao Exterior”, obtido no Salão Nacional de Arte Moderna.
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