Niobe Xandó, artista dos mundos fantásticos, inaugurou a 18 de abril exposição de seus trabalhos na Art Gallery of the Brazilian-American Culture Institute, em Washington, EUA.
A propósito desta mostra, José Neistein, nosso adido cultural na capital norte-americano, disse:
“Autodidata, Niobe Xandó começou a pintar e a desenhar em conseqüência de uma necessidade premente de libertar-se de seus sonhos e pesadelos, dando-lhes forma. Nesse processo de objetivar sua subjetividade, algumas das vertentes primordiais, e que constitui o celeiro que se abastece de imagens, reaparece com maior constância máscaras de inspiração africana ou indígena e estruturas mecânicas.
“Essa aparente contradição entre imagens tribais ancestrais e complicadas máquinas define o conteúdo de sua arte, que é ao mesmo tempo tentativa de síntese de dois mundos opostos, o rural arcaico e o urbano industrial, ambos exercendo igual fascínio sobre a artista, e constante fabricação de símbolos, cuja natureza mágica e incantatória desencadeiam as energias, disciplinando-as ao mesmo tempo.
“No processo de configuração mágica, várias outras vertentes subjacentes se evidenciam: o impacto telúrico do emaranhado vegetal, a busca de segurança nas sólidas estruturações de tabas, aldeias ou cidades fantásticas.
“Seu mundo plástico reúne, portanto, coordenadas de esferas díspares, à primeira vista, mas que se articulam numa linguagem inconfundível nessa visão plástica. Tanto o mundo vegetal, como o animal, as máscaras e as máquinas, as aldeias e as cidades, corporificam, cada qual a seu modo, as forças irracionais e as forças contidas, racionalizadoras; os mistérios amorfos, inquietantes, indefinidos, e as estruturas claras, funcionais; medo e a coragem, a angústia e a segurança, na experiência arcaica como na experiência moderna.
“Esse jogo de opostos reflete-se também nos aspectos estritamente técnicos e formais, onde recursos primitivos e ingênuos coexistem com os sofisticados e autoconscientes. Em algumas telas o espaço é explorado em toda a sua complexidade, quando é notória a busca de unidade e integração de todos os fatores componentes. Em outras, a fragmentação do espaço apresenta compartimentos, que servem de nichos para imagens individuais e isoladas, ás vezes de interação, outras vezes sem qualquer relacionamento aparente.
“Quando suas telas são monocromáticas, alternadas com o branco, elas não se diferenciam substancialmente dos desenhos, sendo o resultado freqüentemente gráfico, mas também próximo dos tecidos e das tapeçarias bidimensionais, sem contrastes de texturas. Intelectualmente, são descritivos e sublinham as qualidades lineares das imagens. Emocionalmente, são sóbrias, rigorosas, austeras.
“Quando, porém, faz uso da cor, explora texturas, atinge o volume, preocupa-se com o ritmo, varia a composição: é pictórica. Dá rédeas à imaginação, fértil e solta. Afasta-se da descrição, vira festiva, inquieta, dionisíaca. É quando junta o Céu e a Terra, o angelical e o demoníaco, o fiel e o ímpio, a vida e a morte, o sagrado e o profano.
MÍTICA E MÍSTICA NIOBE
Na Azulão, da artista/marchand Sofia Tassinari (foi aluna de Anita Malfatti), Kaminagai, Mabe e Niobe Xandó são os destaques.
Logo se vê, que Niobe subverte com suas pinturas, colagens e múltiplos, como sensitiva que é, multiculturalista, simbólico-religiosa, de inspirações variadas, como a arte africana, pré-colombiana e até a pintura temática e sofrida dos internatos no Juqueri.
Muitas vezes vai visitá-los, sua doce figura, recebendo as lições do psicólogo Osório Cesar, diretor do Instituto, (segundo marido de Tarsila do Amaral, com quem viajou para a Rússia - 1929/1931).
Uma arte fantástica, que surpreende a todos - nanquim, papel, colagem, pintura, panos e rendas, serigrafias.
Viveu no interior, em S. Paulo, Rio, Bahia, Iugoslávia, já casada - participou de centenas de mostras, ganhou prêmios e louvores, participou do abstracionismo geométrico e do concretismo e “até do dadaísmo”, completa sua filha Lourdes Xandó Rosa.
Para uma coletiva no Museu Afro-Brasileiro, este repórter fez esta apresentação para Niobe Xandó e se desculpa, de novo, pelo entusiasmo pela pintura, “coisas da alma”, acho.
Niobe Xandó é uma sensitiva intimista, caso para-único na arte brasileira e capaz de fluir e registrar, em seus trabalhos, co sentimento criativo, a busca espiritual, a magia transcendental, de que é possuída. Acho que Niobe representa, assim, com sabedoria e melhormente, o meio sócio-cultural brasileiro, acima da arte ínsita, bruta, popular e folclórica.
O espaço que a 1ª Bienal Latino-Americana abre a Niobe faz justiça, pois, a uma artista paciente, séria, e altamente dotada, dona de técnica igualmente correta e variada temática onde os signos têm significado real, dentro da inspiração afro/indígena que capta em sua alma.
Finalmente: mulher-gente, Niobe alcança plenitude na terra, por sua capacidade terna de sentir e doar, afetuosa e humana, grande amorosa que é.
NIOBE: mostra é tomada de consciência
Niobe Xandó, paulista de Campos Novos do Paranapanema, autodidata, artista ligada em sua primeira fase à nossa imaginária, expõe 3 telas religiosas/populares na mostrado Paço das Artes.
– “São meus Santo Onofre, Cosme e Damião e São Lázaro”, pintados com sua técnica pura e cores ingênuas, lembrando o Volpi, “do quarenta”.
– A inciativa de Lourdes Cedram – diz ela – é importante; não me lembro de exposição desse gênero no Brasil. Ainda mais numa época em que a religião é algo íntimo e pessoal que transcende e até confunde cada um. Por isso é do interesse essa mostra, que justamente faz o público tomar consciência, discutir os problemas dos artistas, gente sensível que, no íntimo, procura uma palavra de ajuda para as suas inquietações.
Niobe confessa:
– De minha parte, deixei a arte dos santos, ou santeira, há muito santos. De santos, passei a outro estilo, outras formas, outra maneira de sentir. Mas, os santos, nunca me abandonaram e sempre desejo voltar a pintá-los. A sensação de textura e amizade que sinto pelos homens sofredores do campo, por exemplo, é que me levou a pintar santos, no início de minha carreira. Minha arte atual, contudo, é mais ligada à pesquisa e à simbologia das palavras.
A artista, muitas vezes premiada, mas que se recusa a uma participação mais grupal, ou política nas artes, o que a leva a não ter alcançado, até hoje, o renome que sua arte consciente e de alto valor merece, termina:
– Esta exposição do Paço vai despertar muita curiosidade. O que os artistas fazem está nas galerias e museus. Mas, os santeiros não tinham oportunidade de expor numa grande cidade, num centro cultural como este. A oportunidade é única e o nosso público deve ir ver como é bela e rica a arte dos santeiros brasileiros. É uma exposição que traz uma mensagem, da devoção e da fé. E ainda mais, pelo seu sentido didático-cultural, seu âmbito nacional.”
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