Vieram com os franciscanos (século XII) e dominam hoje o Mercado - São doze as figureiras (e lavam roupa) - Pedro Giolo, Gentil de Camargo e Rossini Tavares de Lima: três opiniões - Como é a tradição popular
Benedita Lopes vende até raposa de barro cru. Na ampla praça, onde tem sobre um pano estendido os seus “bonecos”, ela mesma responde:
- “Sim, a raposa também: porque, quando Jesus nasceu, a raposa foi oferecer-se para dar leite ao Menino!”.
Em Taubaté, no tempo de Natal, é assim.
As “figureiras” vendem bonequinhos de barro para os presépios do povo de todo o Vale.
É tradição popular - e das boas.
AS FIGUREIRAS
São umas doze, atualmente. Já foram mais. Vivem no bairro do Itaim. São em geral lavadeiras.
Leopoldina dos Santos, explica:
- “Só trabalhamos de ano em ano, pro Natal. Nossas mães e avós já faziam esses presépios populares”.
Trabalham com barro cru, de beira de rio. Tinta: óleo ou pó de sapato. Agora (infelizmente) já entra algum verniz.
AS FIGURINHAS
Benedita Antunes é especialista em boizinhos de pintas pretas e vermelhas. Ernestina do Reino gosta dos boizinhos de pés de bambu.
Antonia Maria dos Santos vende cada figurinha a Cr$ 5,00 (média).
As figurinhas têm de tudo: boi. Burro, os três Reis Magos (em pé ou a cavalo), cobra, tartaruga, vaca, peru, galinhas e pintinhos e os santos - Nossa Senhora, São José e o Menino Jesus.
Natácia Costa explica que o presépio popular de Taubaté deve ter 31 figuras.
FALA A TRADIÇÃO
A praça municipal, onde está o mercado de Taubaté, com suas figureiras, regurgita de gente.
A figureira Maria Francisca Frois está escondida do sol, debaixo do tosco guarda-chuva.
Ela mesma vai explicando:
- a vaca, no presépio, tem de ficar junto de Jesus: para aquecê-lo com o bafo morno;
- o burrinho já fica perto - para a fuga pro Egito;
- os três Reis Magos (o branco, o caboclo e o preto) vem de cavalo e levam as mãos ao peito: trazem ouro, incenso e mirra;
Ao redor de Jesus devem ficar um galo empinado (cantando “Cristo nasceuuuuuuu”), uma vaca (mugindo: “oooonde?”) e o carneiro, que responde balindo: “em Belém, Belém, Belém...”.
TRÊS OPINIÕES
Pedro Giolo, artista popular de Taubaté, diz:
- “A arte das figureiras de Taubaté está caindo, com modernismos (tipo verniz) e ante as dificuldades da vida - já foi melhor!”
Rossini Tavares de Lima secretário geral da Comissão Paulista de Folclore:
- “é uma arte autêntica, popular e folclórica, do Vale do Paraíba - mas se ressente dum certo apoio oficial e do descaso das falsas elites”.
E diz Gentil Camargo, a grande autoridade (história, tradição e folclore) do Vale do Paraíba:
- “A arte da figureiras não está caindo. O que há talvez seja uma renovação. Figuras dos feitos de 32, 45 (FEB) e outros estão “entrando” para os presepinhos. Vale!”
O PRESÉPIO
O presépio do Vale deve ser armado “sete anos seguidos”, explica Natácia, outra figureira.
Deve ser armado na “sala-de-fora”, sobre uma mesa, a um canto da sala. Ripas ou lascas de bambu servem para conter a ramagem de café-bravo.
Papel amarfanhado, com barba-de-pau, grudado em farinha de trigo, serve ainda de folhagem. Serragem e areia formam o estábulo e caminhos.
A “lapinha (gruta) é onde fica Jesus. Hoje já se usa mais o baldaquino, com papel de das e flores.
Diz Gentil de Camargo:
- “É uma paisagem que se anima - povoada de onças, camelos, soldados de 32, soldados da guerra do Paraguai, ursos, macacos, cobras, galinhas, patos no lado de espelho, os noivos, homens, mulheres, casinhas de papelão, bichos e gente, numa irrealidade geográfica e histórica, onde a imaginação se compraz”.
TRADIÇÃO DO PRESÉPIO
Pelo meado do século XVII frei Jerônimo de São Braz, franciscano, armou em Taubaté um grande presépio.
As figuras, bem torneadas e sólidas, tinham vindo da Itália - onde o povo já armava presépios, segundo a criação original de S. Francisco de Assis.
O presépio, em Taubaté, era armado todos os anos. Com o tempo, contudo, as figurinhas foram se estragando.
E frei Jerônimo na desistia. Pedia à gente do povo que se refizesse, com barro do lugar, as figurinhas velhas e quebradas.
O povo foi fazendo e a tradição se criou.
Hoje todo o Vale compra as figurinhas de Taubaté para armar as suas “lapinhas” em casa.
Por isso diz agora o padre do convento de Santa Clara:
“Há hoje um Natal profano. Natal dos saraus, dos clubes e dos bailes. Natal quase carnaval, nos grandes centros urbanos. E, coisa absurda... um Natal que desconhece o Menino Jesus. Sem missa, sem orações, sem presépio. Natal de Papai Noel comercial e árvore de Natal sem Menino Jesus. O Natal cristão e brasileiro se restaura e se perpetua no presépio popular, na Missa do Galo e na festa familiar de cada lar”.
Todo ano, em Taubaté, no tempo de Natal, é assim.
TRIBUNA DA IMPRENSA
23 de janeiro de 1957.
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