Um Moses (do Nordeste) agita o folclore das Alagoas
* A marca do Folclore
* “O
folclore é para mim uma necessidade vital”
THÉO BRANDÃO
é um Moses a agitar o nordeste. É miúdo, usa óculos, fala metralhando as
palavras. Não pára. Sentado à máquina,
escreve rapidíssimo, pulando letras, confundindo os tipos numa mixórdia dos
diabos.
Nasceu há
pouco mais de 40 anos em Viçosa. Fez o curso secundário na Bahia, com Artur
Ramos (seu fraterno amigo até a morte). No Rio formou-se em medicina em
Farmácia.
Voltando a
Maceió, pegou uma clínica que ainda conserva. É pediatra e professor da Escola
de Medicina. Escreve história e pesquisa folclore. Ele é, antes de tudo, um
mestre de folclore.
GOSTO
A minha marca pelo folclore - diz ele - veio da
influência da família e do meio ambiente. Quando menino, na zona rural, quantas
festas alagoanas não vi no “Engenho Boa Sorte”, de meu pai?
Théo tinha um
tio, Alfredo Brandão. Historiador e entendido. E o primo Otávio, também
Brandão, autor dos “Canais de Alagoas” e alguns estudos de dança popular
alagoana.
A amizade de
Artur Ramos também o ajudou na sua ânsia de folclore:
- “Fomos
sempre amigos, desde os tempos da “República” na rua de Baixo, de Salvador.
Foi assim que
ele se interessou pelo folclore. Depois começou a pesquisar. Fez anotações,
viajou, comparou. E só mais tarde, há uns oito anos, começou a publicar seus
trabalhos sobre o vasto e autêntico folclore alagoano.
- “O folclore
é para mim agora uma necessidade vital” - afirma Théo, rapidamente, enquanto
assina uma dedicatória para um historiador de Sorocaba, cônego Luís Castanho de
Almeida.
Tudo ele
estudou. Não há folguedo ou auto popular alagoano que Théo (assinatura resumida
de Theobaldo) não tenha estudado. Sozinho ou em equipe - formado por seus
alunos.
As pesquisas
de Theo começam pelos antigos folguedos: buás, torés, fubás, maracatus,
bumba-meu-boi, presépios, taieiras e rodas de tropel, atingem aos reisados e
caboclinhos (hoje raros), e chegam até as cheganças, os fandangos, os
quilombos, pastoris, guerreiros, baianas, samba-de-matuto e cocos atualíssimos.
E, também, às
célebres lapinhas das casas de famílias.
Tem
publicados: “Folclore de Alagoas” (obras premiada pela Academia Brasileira de
Letras), 1949; “Trovas populares de Alagoas”, 1951; “O reisado alagoano” (1º
premio no Concurso de Monografias da Prefeitura (SP, 1954; várias separatas,
inclusive de revistas de Madri e do Porto.
Em preparo,
Théo Brandão tem “Auto e Folguedos de Alagoas” e o segundo volume do “Folclore
de Alagoas”.
Tudo isso,
fora a medicina e o ensino - onde seus estudos estão igualmente reunidos em
livro.
PESQUISAS
Théo Brandão
pesquisa nas horas de folga do trabalho. Então, corre o interior, conversa com
a entre simples, lê os antigos jornais, faz buscas, ajuda-se na literatura
oral.
Colhido o
material, estuda e faz comparações. Põe fora o que não é autêntico.
Apesar de sua
vibração intensa, tem zelo e gosta de documentar tudo o que faz. Em centenas de
discos guarda carinhosamente canções do folclore musical alagoano.
É zeloso até
no definir folclore:
- “Ainda não
sabemos qual a definição exata. Cabe a um congresso de sociólogos, antropólogos
e entendidos de folclore, decidir. Sem dúvida, faz parte da antropologia. Mas a
definição exata talvez ainda não haja.
SUBFOLCLORE
Duas coisas no
dizer de Theo Brandão prejudicam o
folclore brasileiro: a falta de verbas (e apoio para as pesquisas) e o
subfolclore. Deste, dá como exemplos o “catilismo” e o “caipirismo” das
estações de rádio.
- Destaco,
contudo, na parte do apoio às nossas pesquisas, a situação positiva da Comissão
Nacional de Folclore, secretariado pelo grande brasileiro Renato Almeida.
Diz que as
subcomissões estaduais de folclore vêm realizando uma obra de valor e de grande
alcance.
- “Nossos
folcloristas, com poucas exceções, estão ajudando o Brasil a descobrir-se
perante a si mesmo, enquanto formam uma obra de nacionalismo verdadeiramente
sadio”.
DESTAQUES
Para Théo
Brandão os grandes pesquisadores brasileiros, iniciadores dos nossos melhores
estudos de folclore, são, entre outros, Artur Ramos, Silvio Romero, Amadeu
Amaral, Melo Moraes Filho, Leonardo Mota, João Ribeiro - “e, claro, Mário de
Andrade”.
- “Atualmente,
temos três mestres: Gustavo Barroso (com uma tendência atual para a história),
Renato Almeida e o mestre incomum, Luiz da Câmara Cascudo”.
Dos paulistas,
destaca o trabalho rigoroso de Oneida Alvarenga (da discoteca Municipal),
Rossini Tavares de Lima (do Centro de Estudos Folclóricos “Mário de Andrade”) e
do professor Alceu Maynard Araujo (da Escola de Sociologia e Política). Elogia
as pesquisas de Sebastião de Almeida Oliveira (de Tanabi) e do Cônego Castanho,
de Sorocaba.
Nos Estados,
gosta Théo Brandão dos estudos feitos pelas subcomissões de folclore. Aponta
como bons pesquisadores: Dante Laitano (Porto Alegre), Osvaldo Cabral (Santa
Catarina), Guilherme Santos Neves (Espírito Santo), Florival Cerene (Ceará),
Diegues Jr., Edson Carneiro, Joaquim Ribeiro, René Ribeiro (no Recife) e Aires
da Mata Machado Filho, em Minas.
- “Enfim, toda
essa gente que está defendendo nossas melhores tradições” - termina.
E Théo Bandão
vai voando pelas ruas, a cumprir seus dois mil compromissos na metrópole grande
(S. Paulo).
HISTÓRIA LEGÍTIMA
O povo
alagoano naquela véspera do Natal de Coruripe (faz muitos anos) divertia-se
muito.
A gengibirra,
efervescendo nos copos, e a junca, o angico e o célebre vinho de caju, animava
os reisados, os maracatus e as cheganças.
Manoel
Gonçalves, como Mateus do reisado, era figura proeminente. Vestia fraque,
surrão e tinha a clássica cartola sobre o rosto besuntando de carvão.
Piáu (como era chamado) fazia dançar o
boi. O boi era seu amigo inseparável, de apelido Pio.
O povo se
apinhava e se espalhava com a dança maravilhosa do boi e de Mateus. Cantavam as
pastorinhas.
Mas eis que Piau tem que matar o boi e dá-lhe uma
cacetada nas pontas. O boi cai e se finge de morto. A cantoria aumenta quando é
feita a “repartição do boi”. E o Rei começa a cantar:
“ó levanta Coração, é bumba”.
Canta dez,
quinze, trinta vezes - e nada. O boi está imóvel no chão. O povo se aglomera.
Uns gozam. E quando o Rei suspende as vestes do boi, todos vêem que Pio está desacordado, com a cabeça em
sangue. Mateus acertara o porrete no seu parietal. A mulher de Pio, julgando morto o marido, atira-se
ao chão e dirige desafogos ao Piau. A
cena é trágica.
Em minutos,
contudo, o reisado se recompõe. Pio
se levanta. O povo canta. E Piáu,
indignado, grita para a mulher:
- “Não me mate, dona vaca, você está danada;
aqui tem bezerro de novo?”
É a história
(legítima) do Boletim Alagoano de Folclore. Órgão da UNESCO. Do IBECC. Do
Conselho Nacional de Folclore. Da Comissão Alagoana de Folclore. De Théo
Brandão - o elétrico, rei do folclore das Alagoas.
TRIBUNA DA
IMPRENSA
10 DE JUNHO DE
1956.
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