sábado, 13 de dezembro de 2014

THEO BRANDÃO

Um Moses (do Nordeste) agita o folclore das Alagoas

* Miúdo, usa óculos, fala como tiro de metralhadora.
* A marca do Folclore
* “O folclore é para mim uma necessidade vital”



THÉO BRANDÃO é um Moses a agitar o nordeste. É miúdo, usa óculos, fala metralhando as palavras. Não pára.   Sentado à máquina, escreve rapidíssimo, pulando letras, confundindo os tipos numa mixórdia dos diabos.
Nasceu há pouco mais de 40 anos em Viçosa. Fez o curso secundário na Bahia, com Artur Ramos (seu fraterno amigo até a morte). No Rio formou-se em medicina em Farmácia.
Voltando a Maceió, pegou uma clínica que ainda conserva. É pediatra e professor da Escola de Medicina. Escreve história e pesquisa folclore. Ele é, antes de tudo, um mestre de folclore.


GOSTO
A minha marca pelo folclore - diz ele - veio da influência da família e do meio ambiente. Quando menino, na zona rural, quantas festas alagoanas não vi no “Engenho Boa Sorte”, de meu pai?
Théo tinha um tio, Alfredo Brandão. Historiador e entendido. E o primo Otávio, também Brandão, autor dos “Canais de Alagoas” e alguns estudos de dança popular alagoana.
A amizade de Artur Ramos também o ajudou na sua ânsia de folclore:
- “Fomos sempre amigos, desde os tempos da “República” na rua de Baixo, de Salvador.
Foi assim que ele se interessou pelo folclore. Depois começou a pesquisar. Fez anotações, viajou, comparou. E só mais tarde, há uns oito anos, começou a publicar seus trabalhos sobre o vasto e autêntico folclore alagoano.
- “O folclore é para mim agora uma necessidade vital” - afirma Théo, rapidamente, enquanto assina uma dedicatória para um historiador de Sorocaba, cônego Luís Castanho de Almeida.
Tudo ele estudou. Não há folguedo ou auto popular alagoano que Théo (assinatura resumida de Theobaldo) não tenha estudado. Sozinho ou em equipe - formado por seus alunos.
As pesquisas de Theo começam pelos antigos folguedos: buás, torés, fubás, maracatus, bumba-meu-boi, presépios, taieiras e rodas de tropel, atingem aos reisados e caboclinhos (hoje raros), e chegam até as cheganças, os fandangos, os quilombos, pastoris, guerreiros, baianas, samba-de-matuto e cocos atualíssimos.
E, também, às célebres lapinhas das casas de famílias.
Tem publicados: “Folclore de Alagoas” (obras premiada pela Academia Brasileira de Letras), 1949; “Trovas populares de Alagoas”, 1951; “O reisado alagoano” (1º premio no Concurso de Monografias da Prefeitura (SP, 1954; várias separatas, inclusive de revistas de Madri e do Porto.
Em preparo, Théo Brandão tem “Auto e Folguedos de Alagoas” e o segundo volume do “Folclore de Alagoas”.
Tudo isso, fora a medicina e o ensino - onde seus estudos estão igualmente reunidos em livro.
PESQUISAS
Théo Brandão pesquisa nas horas de folga do trabalho. Então, corre o interior, conversa com a entre simples, lê os antigos jornais, faz buscas, ajuda-se na literatura oral.
Colhido o material, estuda e faz comparações. Põe fora o que não é autêntico.
Apesar de sua vibração intensa, tem zelo e gosta de documentar tudo o que faz. Em centenas de discos guarda carinhosamente canções do folclore musical alagoano.
É zeloso até no definir folclore:
- “Ainda não sabemos qual a definição exata. Cabe a um congresso de sociólogos, antropólogos e entendidos de folclore, decidir. Sem dúvida, faz parte da antropologia. Mas a definição exata talvez ainda não haja.

SUBFOLCLORE
Duas coisas no dizer de Theo Brandão  prejudicam o folclore brasileiro: a falta de verbas (e apoio para as pesquisas) e o subfolclore. Deste, dá como exemplos o “catilismo” e o “caipirismo” das estações de rádio.
- Destaco, contudo, na parte do apoio às nossas pesquisas, a situação positiva da Comissão Nacional de Folclore, secretariado pelo grande brasileiro Renato Almeida.
Diz que as subcomissões estaduais de folclore vêm realizando uma obra de valor e de grande alcance.
- “Nossos folcloristas, com poucas exceções, estão ajudando o Brasil a descobrir-se perante a si mesmo, enquanto formam uma obra de nacionalismo verdadeiramente sadio”.

DESTAQUES
Para Théo Brandão os grandes pesquisadores brasileiros, iniciadores dos nossos melhores estudos de folclore, são, entre outros, Artur Ramos, Silvio Romero, Amadeu Amaral, Melo Moraes Filho, Leonardo Mota, João Ribeiro - “e, claro, Mário de Andrade”.
- “Atualmente, temos três mestres: Gustavo Barroso (com uma tendência atual para a história), Renato Almeida e o mestre incomum, Luiz da Câmara Cascudo”.
Dos paulistas, destaca o trabalho rigoroso de Oneida Alvarenga (da discoteca Municipal), Rossini Tavares de Lima (do Centro de Estudos Folclóricos “Mário de Andrade”) e do professor Alceu Maynard Araujo (da Escola de Sociologia e Política). Elogia as pesquisas de Sebastião de Almeida Oliveira (de Tanabi) e do Cônego Castanho, de Sorocaba.
Nos Estados, gosta Théo Brandão dos estudos feitos pelas subcomissões de folclore. Aponta como bons pesquisadores: Dante Laitano (Porto Alegre), Osvaldo Cabral (Santa Catarina), Guilherme Santos Neves (Espírito Santo), Florival Cerene (Ceará), Diegues Jr., Edson Carneiro, Joaquim Ribeiro, René Ribeiro (no Recife) e Aires da Mata Machado Filho, em Minas.
- “Enfim, toda essa gente que está defendendo nossas melhores tradições” - termina.
E Théo Bandão vai voando pelas ruas, a cumprir seus dois mil compromissos na metrópole grande (S. Paulo).

HISTÓRIA LEGÍTIMA
O povo alagoano naquela véspera do Natal de Coruripe (faz muitos anos) divertia-se muito.
A gengibirra, efervescendo nos copos, e a junca, o angico e o célebre vinho de caju, animava os reisados, os maracatus e as cheganças.
Manoel Gonçalves, como Mateus do reisado, era figura proeminente. Vestia fraque, surrão e tinha a clássica cartola sobre o rosto besuntando de carvão.
Piáu (como era chamado) fazia dançar o boi. O boi era seu amigo inseparável, de apelido Pio.
O povo se apinhava e se espalhava com a dança maravilhosa do boi e de Mateus. Cantavam as pastorinhas.
Mas eis que Piau tem que matar o boi e dá-lhe uma cacetada nas pontas. O boi cai e se finge de morto. A cantoria aumenta quando é feita a “repartição do boi”. E o Rei começa a cantar:
ó levanta Coração, é bumba”.
Canta dez, quinze, trinta vezes - e nada. O boi está imóvel no chão. O povo se aglomera. Uns gozam. E quando o Rei suspende as vestes do boi, todos vêem que Pio está desacordado, com a cabeça em sangue. Mateus acertara o porrete no seu parietal. A mulher de Pio, julgando morto o marido, atira-se ao chão e dirige desafogos ao Piau. A cena é trágica.
Em minutos, contudo, o reisado se recompõe. Pio se levanta. O povo canta. E Piáu, indignado, grita para a mulher:
 - “Não me mate, dona vaca, você está danada; aqui tem bezerro de novo?”
É a história (legítima) do Boletim Alagoano de Folclore. Órgão da UNESCO. Do IBECC. Do Conselho Nacional de Folclore. Da Comissão Alagoana de Folclore. De Théo Brandão - o elétrico, rei do folclore das Alagoas.


TRIBUNA DA IMPRENSA
10 DE JUNHO DE 1956.







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