“As
características regionais da arte popular santeira do Brasil, embora sofrendo
influências estrangeiros e nativas de diferentes grupos etnológicos,
documentam, de forma viça e patente, as nossas raízes culturais e, também,
dentro do nosso processo de evolução e assimilação, chegam a afirmar-se no
contexto artístico nacional na sua real expressão definida e arraigadamente
pessoal”.
A
valinhense Lourdes
Cedram,
diretora do Paço das Artes, andou de Recife e Olinda a Salvador, de Belo
Horizonte ao Rio de Janeiro, percorreu o Vale do Paraíba, em busca da arte
popular santeira típica do Brasil. Além disso, pesquisou coleções particulares,
de S. Paulo e Rio, de ente que se interessa de há muito pelos nossos santeiros,
Pedro de Oliveira Ribeiro Neto, João Marino, Renato Magalhães Correia, Eduardo
Etzel, Carlos Lemos, Hermilo Borba Filho, Jose Nemiroshy, Silvia Martins
(Pernambuco) e Conceição Piló (Minas Gerais). Tudo isso, resultou na exposição
“Santeiros/Imaginários” que o governador Paulo Egydio inaugurou dia 3
terça-feira às 21 horas no Paço das Artes.
-“A
idéia da exposição Santeiros/Imaginários
surgiu no decorrer do meu contato com as expressões da arte popular
brasileira. Sentindo de perto a espontaneidade com que os artistas nesse campo
trabalham, quase que sem esperança, seria essa a expressão, da divulgação e do
reconhecimento do que fazem, vi o quanto era importante em termos culturais, uma exposição ampla, focalizando
o artista santeiro.
“Por
que do santeiro, poderão perguntar. Nas diferentes regiões do Brasil, a arte
dos santeiros surgiu de influências de culturas de povos que para cá emigraram,
sofrendo aqui um processo de transformação”.
-
“Nesse campo, também a raça negra deu uma contribuição muito importante,
originando daí uma escultura muito peculiar e de grande força expressiva”.
-
“Senti que realizar uma exposição no gênero seria a forma de mostrar ao público
interessado uma das manifestações mais importantes da nossa cultura e das
nossas raízes”.
Lourdes
Cedram informa que a mostra terá 300 peças, entre santos, esculturas, pinturas
jóias e objetos de candomblé e livretos de cordel - estes também da coleção
LEMK, num trabalho de pesquisa de Iris Gori e Sérgio Barbieri, do Museu
Devocional de Buenos Aires, que pesquisam entre nós, a pedido do Itamarati, a
arte devocional brasileira. A exposição dura até 31 de agosto e fica Aberta
diariamente das 15,30 às 22,30 horas, inclusive para colégios que desejam
patrocinar visitas coletivas de estudantes (o Paço terá monitores treinados
para tal). Todos os dias - seguindo Lourdes, a idéia foi do secretário da
Cultura, Max Feffer - um conjunto de música popular dará concertos, às 17 e 21
horas, já estando contratados o Quinteto Armorial (Recife), os Tapes (Pelotas)
Zambo (Salvador e Banda de Pífanos de Caruaru. Haverá também conferências de
especialistas na arte santeira - cp0mo Pedro de Oliveira Ribeiro Neto, Carlos
lemos e Iris Gori - com datas e horários a serem oportunamente divulgados. “A
nossa exposição atrairá os especialistas, os entendidos, os colecionadores, e o
público em geral”, diz Lourdes Cedram, que destaca também a presença dos
mestres da “pintura santeira”, como Volpi, Niobe Xandó, Teresa D’Amico, Antonio
Maia e outros. Enumerar todos os artistas da mostra do Paço, diz, será longo,
mas lá estão entre outros, as peças “de extrema importância de Dito Pituba,
Raimundo de Oliveira, Lidia de Tracunhaem, estes mortos e, dos vivos, Manoel
Bonfim, Zézinho do Tracunhaem, Antônia Leão, Maurino de Araujo e o quase
lendário Mestre Dézinho do Piauí”.
Raízes e influências da arte popular
AV
- Qual a importância da mostra?
LC
- “A mostra tem importância sob vários aspectos: didático, cultural, artístico
e como documentação de uma expressão particular do povo brasileiro, onde a
espontaneidade, a simplicidade, a criatividade estão patenteadas sem
preocupação de “ismos””.
AV
- Como encara como pesquisadora, a arte santeira?
LC
- “Como pesquisadora achei fascinante a expressão desses artistas rudes e
ingênuos que nas suas casinhas, muitas vezes de barro batido, alienados da vida
mecânica e massificada das megalópoles, se entregam de corpo e alma a esse
trabalho como num ato de amor, fazendo nascer de suas mãos ásperas e ingênuas,
verdadeiras obras de arte e beleza. Quando se têm diante dos olhos um anjo de
Antonia Leão, gordo e rechonchudo, quando se admira a ingenuidade dos São
Francisco de Severino ou, a força do talho na madeira do Santo Onofre de José
Pedro, eu posso dizer que me sinto alegre e gratificada por esse trabalho,
porque sei que outros prosseguirão e novos nomes, novos caminhos continuarão a
surgir.”
AV
- Outros detalhes da exposição?
LC
- “A exposição aborda a arte santeira popular desde o século XVII até hoje. O
visitante poderá constatar como ela se desenvolveu nas diferentes épocas e nas
diversas regiões. Uma das curiosidades da mostra é a coleção de jóias
ritualísticas do candomblé. Cada peça assume um significado todo especial no
desenvolvimento desse ritual.”
AV
- Há um catálogo didático para o público?
LC
- “Sim. Um catálogo - diria até “um livro” - será distribuído aos visitantes.
Nele estão compilados artigos sobre a arte santeira nacional, dos estudiosos
Pedro de Oliveira Ribeiro Neto, Eduardo Etzel, Carlos Lemos, Hermilo Borba
Filho, Silvia Martins e Conceição Piló. O catálogo será importante documento
das raízes e influências da arte popular
no Brasil - especialmente a santeira e a imaginária - dentro do contexto
sócio-cultural e artístico do nosso país”.
Niobe:
mostra é tomada de consciência
Niobe Xandó,
paulista de Campos Novos do Paranapanema, autodidata, artista ligada em sua
primeira fase à nossa imaginária, expõe 3 telas religiosas/populares na mostra
do Paço das Artes. “São meus Santo Onofre, Cosme e Damião e São Lázaro,
pintados com sua técnica pura e cores ingênuas, lembrando o Volpi, “do
quarenta”.
-
“A iniciativa de Lourdes Cedram - diz ela - é importante, não me lembro de
exposição desse gênero no Brasil. Ainda mais numa época em que a religião é
algo intimo e pessoal, que transcende e até confunde cada um. Por isso é de
interesse essa mostra, que justamente faz o público tomar consciência, discutir
os problemas dos artistas, gente sensível, que, no íntimo, procura uma palavra
de ajuda para as suas inquietações”.
Niobe
confessa:
-“De
minha parte, deixei a arte dos santos, ou santeira, há muitos anos. De santos,
passei a outro estilo, outras formas, outra maneira de sentir. Mas, os santos,
nunca me abandonaram e sempre desejo voltar a pintá-los. A sensação de textura
e amizade que sinto pelos homens sofredores do campo, por exemplo, é que me
levou a pintar santos, no início de minha carreira. Minha arte atual, contudo,
é mais ligada à pesquisa e à simbologia das palavras.”
A
artista, muitas vezes premiada, mas que se recusa a uma participação mais
grupal, ou política nas artes, o que a leva a não ter alcançado, até hoje, o
renome que sua arte consciente e de alto valor merece, termina:
-
“Esta exposição do Paço vai despertar muita curiosidade. O que os artistas
fazem está nas galerias e museus. Mas, os santeiros não tinham oportunidade de
expor numa grande cidade, num grande centro cultural como este. A oportunidade
é única e o nosso público deve ir ver como é bela e rica a arte dos santeiros
brasileiros. É uma exposição que traz uma mensagem, da devoção e da fé. E ainda
mais, pelo seu sentido didático-cultural, seu âmbito nacional.”
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