"O conflito psicológico existente na personalidade de Segall, em consequência da censura exercida pelo aspecto racional sobre o comportamento instintivo, sensual, leva-o ao narcisismo. Este é o elemento mais determinante de sua personalidade. Manifesta-se em primeiro lugar na imagem exterior recriada, na roupa, no chapéu, no corte de cabelo, enfim, na composição da figura. Ele próprio tinha carinho por esse todo que formava a “personalidade de Segall.”
Essas são as palavras iniciais da Conclusão da “Dissertação de Mestrado” apresentada por Vera d’Horta Beccari para a Cadeira de Estética do Departamento de Filosofia da USP, realizada sob a orientação da Profª. Gilda de Mello e Souza, e que compõe 2 grossos volumes de 506 paginas, resultados de 7 anos de pesquisas de Vera sobre Segall. A pesquisadora paulista, filha do saudoso Arnaldo Pedroso d’Horta, teve seu trabalho defendido perante banca examinadora na USP, dia 179/79, formada por Gilda de Mello e Souza, Telê Ancona Lopes e (IEB), Victor Knoll, aprovado com distinção, merecendo nota 10, o que tornou Vera d’Horta Beccari mestra em Filosofia.
A “Dissertação de Mestrado”, intitulada “Lasar Segall – esboço de um retrato”, está dividida em duas parte. A primeira, com texto, cronologia e bibliografia e, a segunda, com 47 depoimentos sobre Segall e seus escritos principais. O trabalho foi realizado com apoio da FAPESP e do MIS, que recebeu duas fitas gravadas dos depoimentos, entre os quais figuram os de Alfredo Mesquita, Arnaldo Pedroso d’Horta, Bruno Giorgi, Carlos Drummond de Andrade, Cícero Dias, Di Cavalcanti, Flávio de Carvalho, Warchavchik, Henrique Boese, Marcos Margulies, Margarete Suhr (a primeira mulher de Segall, ainda viva, residente em S. Paulo), Newton Freitas, Paulo Mendes de Almeida, Rubem Braga e outros.
O Museu Lasar Segall, através de Maurício Segall, filho do artista, interessou-se pelo trabalho de Vera, especialmente pelos depoimentos gravados e textos se Segall, incluindo alguns inéditos, Vera d’Horta Beccari continua – e conclui assim – a conclusão de sua “Dissertação de Mestrado” sobre Segall:
“A privacidade também é característica: vida doméstica, casa fechada, paredes grossas, janelas pequenas, um constante voltar-se para dentro. Sua arte também é privada: armazenação de quadros, controle à distanciadas obras que saiam porventura de suas mãos, desejo de tê-las de volta (ele dava, mas se arrependia), e domínio à distância sobre a crítica (teleguiando o crítico).”
“Esse aspecto psicológico do narcisismo tem reflexos sociais. Revela talvez a desconfiança (e desrespeito) do europeu civilizado pelo ambiente que o cercava, mais selvagem, e com uma cultura de verniz, se superfície. O conflito cultural condiciona seu resguardo em relação ao país de adoção.” “Como conseqüência desse guardar-se individual e socialmente, sua projeção ficou prejudicada. Os quadros que permaneceram juntos, em poder da família, foram pouco vistos; em outras circunstâncias teriam exercido maior influencia. Em casa – moderna desde o projeto de Warchavchik – era de um modernismo coerente, único naquele momento, e teria exercido influência civilizadora se não fosse tão particular.
“Por outro lado, se havia esse isolamento praticado compulsoriamente, também é verdade que num certo momento houve uma pressão de fora para dentro, do ambiente que o classificou de modo excludente como “estrangeiro”, “judeu’, e mais tarde como “figurativo”, num período (o das Bienais) em que dominava a arte abstrata.” “Dois momentos de sua atividade artística parem-nos importantes como sinais de rompimento dessa couraça reservada. Em, primeiro lugar as manifestações da SPAM, às quais se entrega de corpo e alma, com entusiasmo puro, realizando obras vibrantes, como participante real. Sofrendo perseguição por parte dos integralistas, sai frustrado dessa experiência, e se recolhe novamente. Em seguida, em contato com a paisagem de Campos do Jordão, emocionado, se entrega novamente – realiza aí o melhor de sua pintura, justamente porque deixa fluir sua expressão poética instintiva, libertando-se da pressão racional. Campos do Jordão representa a nosso ver o auge de sua obra pictórica, porque o retratar o campo, em sua personalidade conflituosa o racional perde para o instintivo, para a sentimentalidade mais primitiva de sua alma russa.. É como pintor, se expressando com uma linguagem pessoal incorruptível por pressões externas, - porque tiradas do reduto mais profundo do seu ser – que Segall consegue a comunhão total com o Brasil. Nos parece que o componente lírico, instintivo, era o mais forte na personalidade do artista, e quando ele o libera nas paisagens emocionadas de Campos do Jordão, atinge o auge se sua expressividade.”
– Apesar do semi-isolamento em que viveu, a vigorosa arte de Segall exerceu influência decisiva no Brasil. Em primeiro lugar, junto aos modernistas da década de 20 – é preciso lembrar que a pintura expressionista de segall era mais moderna que a arte de Anta Malfatti, marcada principalmente pelo impressionismo de Lovis Corinth. Em segundo lugar, na SPAM exerceu sua função de europeu civilizado, do educador, modificando o comportamento social ao mostrar um novo estilo de vida. Além disso deve-se a ele um trabalho de base, difuso mas real, junto aos jovens que iniciavam na pintura nas décadas de 30 e 40.
Apesar de não ter feito escola, “porque era impossível seguir os caminhos singulares de sua alma”, deixou marcada influência em Lucy Citti Ferreira, Oswald de Andrade Filho (Nonê), Yolanda Mohaly, Manoel Martins, Marianne Overbeck, etc. Como professor, entretanto, era tão massacrante, que não fazia discípulos, mas macaquedores. Fora esses artistas que sofreram diretamente sua influência arrasadora, há uma infinidade de outros, os mais insuspeitos, nos quais repentinamente se descobre vestígios da arte de Segall. Um estudo aprofundado e comparativo de sua obra com a dos outros, poderia mostrar como exerceu papel importante no sentido de ensinar a técnica, o saber fazer a pintura, junto aos integrantes da “Família Artística Paulista”, por exemplo.
Apesar da negativa dos seus participantes, percebe-se a presença de Segall em algumas passagens suburbanas de Rebolo, num certo boi caolho de Clóvis Graciano, parente próximo das vaquinhas de Segall – apenas para citar dois exemplos. Num período de grande deslumbramento pelas obras sociais grandiloqüentes dos muralistas mexicanos, ele representou o papel de mediador pela sensibilidade, pela reflexão. Sua experiência individual de arte interiormente verdadeira foi um exemplo contagiante no controle de certos deslumbramentos perigosos. A influência profunda de Segall precisa der redescoberta, como elemento de equilíbrio na formação de vários talentos nacionais. Ele foi entre nós, como disse Mario de Andrade, “um construtor de ambiente”.
Essas são as palavras iniciais da Conclusão da “Dissertação de Mestrado” apresentada por Vera d’Horta Beccari para a Cadeira de Estética do Departamento de Filosofia da USP, realizada sob a orientação da Profª. Gilda de Mello e Souza, e que compõe 2 grossos volumes de 506 paginas, resultados de 7 anos de pesquisas de Vera sobre Segall. A pesquisadora paulista, filha do saudoso Arnaldo Pedroso d’Horta, teve seu trabalho defendido perante banca examinadora na USP, dia 179/79, formada por Gilda de Mello e Souza, Telê Ancona Lopes e (IEB), Victor Knoll, aprovado com distinção, merecendo nota 10, o que tornou Vera d’Horta Beccari mestra em Filosofia.
A “Dissertação de Mestrado”, intitulada “Lasar Segall – esboço de um retrato”, está dividida em duas parte. A primeira, com texto, cronologia e bibliografia e, a segunda, com 47 depoimentos sobre Segall e seus escritos principais. O trabalho foi realizado com apoio da FAPESP e do MIS, que recebeu duas fitas gravadas dos depoimentos, entre os quais figuram os de Alfredo Mesquita, Arnaldo Pedroso d’Horta, Bruno Giorgi, Carlos Drummond de Andrade, Cícero Dias, Di Cavalcanti, Flávio de Carvalho, Warchavchik, Henrique Boese, Marcos Margulies, Margarete Suhr (a primeira mulher de Segall, ainda viva, residente em S. Paulo), Newton Freitas, Paulo Mendes de Almeida, Rubem Braga e outros.
O Museu Lasar Segall, através de Maurício Segall, filho do artista, interessou-se pelo trabalho de Vera, especialmente pelos depoimentos gravados e textos se Segall, incluindo alguns inéditos, Vera d’Horta Beccari continua – e conclui assim – a conclusão de sua “Dissertação de Mestrado” sobre Segall:
“A privacidade também é característica: vida doméstica, casa fechada, paredes grossas, janelas pequenas, um constante voltar-se para dentro. Sua arte também é privada: armazenação de quadros, controle à distanciadas obras que saiam porventura de suas mãos, desejo de tê-las de volta (ele dava, mas se arrependia), e domínio à distância sobre a crítica (teleguiando o crítico).”
“Esse aspecto psicológico do narcisismo tem reflexos sociais. Revela talvez a desconfiança (e desrespeito) do europeu civilizado pelo ambiente que o cercava, mais selvagem, e com uma cultura de verniz, se superfície. O conflito cultural condiciona seu resguardo em relação ao país de adoção.” “Como conseqüência desse guardar-se individual e socialmente, sua projeção ficou prejudicada. Os quadros que permaneceram juntos, em poder da família, foram pouco vistos; em outras circunstâncias teriam exercido maior influencia. Em casa – moderna desde o projeto de Warchavchik – era de um modernismo coerente, único naquele momento, e teria exercido influência civilizadora se não fosse tão particular.
“Por outro lado, se havia esse isolamento praticado compulsoriamente, também é verdade que num certo momento houve uma pressão de fora para dentro, do ambiente que o classificou de modo excludente como “estrangeiro”, “judeu’, e mais tarde como “figurativo”, num período (o das Bienais) em que dominava a arte abstrata.” “Dois momentos de sua atividade artística parem-nos importantes como sinais de rompimento dessa couraça reservada. Em, primeiro lugar as manifestações da SPAM, às quais se entrega de corpo e alma, com entusiasmo puro, realizando obras vibrantes, como participante real. Sofrendo perseguição por parte dos integralistas, sai frustrado dessa experiência, e se recolhe novamente. Em seguida, em contato com a paisagem de Campos do Jordão, emocionado, se entrega novamente – realiza aí o melhor de sua pintura, justamente porque deixa fluir sua expressão poética instintiva, libertando-se da pressão racional. Campos do Jordão representa a nosso ver o auge de sua obra pictórica, porque o retratar o campo, em sua personalidade conflituosa o racional perde para o instintivo, para a sentimentalidade mais primitiva de sua alma russa.. É como pintor, se expressando com uma linguagem pessoal incorruptível por pressões externas, - porque tiradas do reduto mais profundo do seu ser – que Segall consegue a comunhão total com o Brasil. Nos parece que o componente lírico, instintivo, era o mais forte na personalidade do artista, e quando ele o libera nas paisagens emocionadas de Campos do Jordão, atinge o auge se sua expressividade.”
– Apesar do semi-isolamento em que viveu, a vigorosa arte de Segall exerceu influência decisiva no Brasil. Em primeiro lugar, junto aos modernistas da década de 20 – é preciso lembrar que a pintura expressionista de segall era mais moderna que a arte de Anta Malfatti, marcada principalmente pelo impressionismo de Lovis Corinth. Em segundo lugar, na SPAM exerceu sua função de europeu civilizado, do educador, modificando o comportamento social ao mostrar um novo estilo de vida. Além disso deve-se a ele um trabalho de base, difuso mas real, junto aos jovens que iniciavam na pintura nas décadas de 30 e 40.
Apesar de não ter feito escola, “porque era impossível seguir os caminhos singulares de sua alma”, deixou marcada influência em Lucy Citti Ferreira, Oswald de Andrade Filho (Nonê), Yolanda Mohaly, Manoel Martins, Marianne Overbeck, etc. Como professor, entretanto, era tão massacrante, que não fazia discípulos, mas macaquedores. Fora esses artistas que sofreram diretamente sua influência arrasadora, há uma infinidade de outros, os mais insuspeitos, nos quais repentinamente se descobre vestígios da arte de Segall. Um estudo aprofundado e comparativo de sua obra com a dos outros, poderia mostrar como exerceu papel importante no sentido de ensinar a técnica, o saber fazer a pintura, junto aos integrantes da “Família Artística Paulista”, por exemplo.
Apesar da negativa dos seus participantes, percebe-se a presença de Segall em algumas passagens suburbanas de Rebolo, num certo boi caolho de Clóvis Graciano, parente próximo das vaquinhas de Segall – apenas para citar dois exemplos. Num período de grande deslumbramento pelas obras sociais grandiloqüentes dos muralistas mexicanos, ele representou o papel de mediador pela sensibilidade, pela reflexão. Sua experiência individual de arte interiormente verdadeira foi um exemplo contagiante no controle de certos deslumbramentos perigosos. A influência profunda de Segall precisa der redescoberta, como elemento de equilíbrio na formação de vários talentos nacionais. Ele foi entre nós, como disse Mario de Andrade, “um construtor de ambiente”.
Texto de Luiz Ernesto Machado Kawaal - FOLHA DE S. PAULO, 4/11/1979.
Nenhum comentário:
Postar um comentário