quinta-feira, 20 de novembro de 2014

JOHN GRAZ, O SUIÇO DE 22


John Graz nasceu na Suíça, em 1895. Cartazista, escultor, pintor e decorador. Frequentou a Escola de Belas-Artes de Genebra, aperfeiçoando-se em Paris e Munique. Veio para o Brasil com bolsa de estudos para ficar três meses, noivo de Regina Gomide, com quem se casaria. Fixou-se em S. Paulo, realizando duas exposições individuais em 1920 e 1921. Participou com 8 telas da Semana de Arte Moderna, na capital paulista. Dedicou-se muitos anos à decoração de ambientes, realizando afrescos e painéis. Introduziu pioneiramente aplicação de canos e metais no mobiliário brasileiro. Ultimamente deixou a decoração, dedicando-se exclusivamente à pintura. Expôs nos últimos três anos na Galeria Opus, em S. Paulo. Na Galeria de Arte do Centro Cultural Brasil - Estado Unidos, em Santos, e no Museu de Arte Brasileira da Fundação “Armando Álvares Penteado”. 

O que interessa é o meu trabalho de hoje, que faço no dia-a-dia... São as minhas pinturas concretas e abstratas, são as figuras que procuro colocar com estabilidade e equilíbrio nos meus quadros... São as permanentes procuras da cor e as buscas da forma... É essa minha arte atual, à qual me dedico inteiramente... Essas histórias da Semana de 22, já tudo muito falado, nem sei onde andam minhas obras daquela época. 

John Graz alto, esguio, elegante, educado, grisalho, mas não tanto, está rijo nos seus 76. Regina Graz, sua mulher, um bibelô-de-Sèvres, acha que Graz vai assim - alegre, simples, com excelente saúde, trabalhando sempre - até os 90 anos. Eles moram numa casa de decoração moderna, confortável, de três andares, junto à Avenida Rebouças e Jardim Europa. O terreno era de Oswald de Andrade, o mestre do modernismo que, gostando de uma tela de Graz, “A Ceia”, fez a troca com o pinto recém-chegado de fora. Graz está recebendo a visita de João Paulo Domingues, o bicho papão da arte, dano da Collectio. 

 Ele queria comprar toda minha obra, antiga e atual, futura também... Paga à vista. Veja só a diferença. Em 22, éramos em pequeno grupo de artistas, só uma reduzida elite econômica e intelectual comprava nossas obras, e ainda assim a preços muito baixos. Hoje, o país todo vive um momento histórico, a arte está lá em cima, há venda, há pintores, há galerias, há museus, há leilões, há até ajuda oficial. 

Benjamim Steiner, ex-jornalista, um dos proprietários da Casa dos Leilões, vem chegando com suas propostas. Graz vende alguns quadros, aceita encomendas várias. Ia expor uma série de cavalos, no Clube de Campo Santo amaro, mas Steiner levou-os todos, a preço bom. “Mesmo depois da Semana, fiquei anos sem pintar, não havia mercado regular, só fazia decoração e painéis, mas de uns três anos para cá voltei a pintar de maneira total”, diz Graz. 

 Ele afirma que o tema estava esgotado, mas volta à Semana: 

O movimento de 22 acordou os artistas, a Semana nos reuniu, e essa coesão, que antes não existia, nos deu força para defender nossas tendências modernas - sem ela todo esse formidável movimento artístico de hoje não existiria: 22 foi o primeiro movimento de rebeldia nas artes plásticas contra as estreitezas do academicismo. É um verdadeiro absurdo querer reduzir-se como alguns falam a importância da Semana de Arte Moderna. 

Não acha que, de certa forma, nossas artes necessitem de outro 22 renovador. “Nossa arte vai muito bem, temos às nossa frente a figura exponencial de Di Cavalcanti, temos os jovens pesquisando e realizando coisas muito autênticas, sei que no norte do país aparecem também valores muito bons.” 

John Graz pinta boa parte do dia, desde as 8 horas. Come pouco - faz permanente regime, com Regina - deita-se cedo. Lê muito, jornais, livros, revistas. Não gosta da televisão, não tem ido muito ao cinema. A distração dos fins de semana é o clube de Campo Santo Amaro, onde tem uma boa roda de amigos e joga golfe. Agora apareceu por lá um japonês atarracado e simpático, a desafiá-lo. É Manabu Mabe. 

Vim para o Brasil por três meses, para me apresentar à família de minha noiva, Regina, que conheci na Escola de Belas Artes de Genebra. Expus em São Paulo em fins de 1920, quadros trazidos da Europa, não os melhores, esses, tinha vendido lá. E também expus em 1921. Geraldo Ferraz fez aquela crítica no “Jornal do Comércio”, mas veja que coisas interessantes escreveu sobre a minha pintura no “Estado de S. Paulo”, quando expus há dois anos no Museu de Arte Brasileira! Bem, no início, aqui no Brasil, estranhei muito. Não conseguia adaptar-me em São Paulo, não encontrava tempo para o trabalho artístico e até já pensava em voltar para a Suíça. Fui então convidado pelo cônsul da Suécia para fazer a decoração de sua residência. Nessa época conheci Oswald de Andrade e foi por seu intermédio que participei da Semana de Arte Moderna, com oito quadros. Eu fazia uns trabalhos que alguns classificavam como impressionistas, mas acredito não se enquadrassem em escola alguma. 

Diz, depois de ser interrompido pela Sucursal de “O Globo”, que, quanto ao seu estilo, passou de “uma pintura que caracterizou o início do modernismo no Brasil, para o abstrato, caminhando daí para o figurativo”. Os trabalhos de sua última fase têm uma temática marítima, vegetativa, animal, muitos são inspirados em suas viagens ao Litoral Norte de S. Paulo. Em Ubatuba, os Graz têm uma casa de praia na Enseada, ali viveu muitos anos um irmão de Regina, o pintor Antonio Gomide - até morrer em 1967. Graz dirige com maestria o Corcel; são 500 km, de ida e volta, e não perde de vista as paisagens marinhas da região - as mais belas do Brasil. 

John Graz é um dos 14 participantes vivos de 22, ao lado de Di, Menotti, Guiomar Novaes, Paim Vieira, Ian de Almeida Prado, Agenor Barbosa, Plínio Salgado, Rubens Borba de Moraes, Paulina d’Ambrózio, Francisco Gomes, Renato de Almeida e Frutuoso Viana. Ele diz que participará das solenidades que se programam, para o cinqüentenário da Semana, este ano. Dará entrevistas, mas não deseja fazer conferência. “Cada um no seu ofício. O meu é pintar. Regina, citada como participante por Di e René Thoillier, contesta. “Não sei onde ele me viu no Teatro Municipal”, diz. Ela estudou Belas Artes na Suíça e tecelagem indígena no Rio, até casar-se com Graz aqui. É filha do saudoso ministro do Tribunal de Contas, Gabriel Gonçalves Gomide, cujo “hobby” era fazer os filhos (7) estudarem na Europa. Durante muitos anos, dirigiu uma fábrica de tapetes a mão, “Regina”, colaborando também para o orçamento doméstico com suas decorações de interiores e arte manual. Segundo Aracy Amaral, jovem crítica e pesquisadora que conhece todos os passos do casal Graz, Regina introduziu entre nós o “geometrismo cubista” em tapetes, colchas, almofadas e abajures, ajudando em 1930 Warchavchik a decorar a sua famosa “Casa Modernista”. 

O telefone toca, é para Jonny, como carinhosamente Regina trata o pintor. Ele mostra suas peças pequenas de borracha, dos índios do Pará, santas de madeira do interior de Minas, bois e lhamas mexicanos, figuras do folclore sulino, tudo está numa bela estante de madeira pintada a branco, projeto de John. “Não sei quantas residências decorei, fiz painéis, acho que ainda tem um no Sanatório Esperança, os outros, nas casas de Simonsen, Scuracchio, Noschese, Lunardelli, Prado, Godói Moreira, acho que nem existem mais”. 

A Semana valeu? 

Claro. Nós vibramos, brigamos, expusemos. Participamos com vontade. É verdade que os intelectuais e literatos tomaram a frente. E tinham razão, a festa era deles. 

John Graz desce no elevador de dois lugares. Calmo, satisfeito consigo próprio, bem apurado no terno leve. Despede-se com afeto, a precisão é suíça. 

TRIBUNA DE SANTOS 6 de fevereiro de 1972

John Louis Graz nasceu na Suíça e radicou-se no Brasil em 1920, quando se casou com a artista plástica e decoradora Regina Gomide, estabelecendo-se em São Paulo, onde passou a maior parte de sua vida vindo a falecer em 1980.

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