1. O COTIDIANO DO ARTISTA EM PASTEL E AQUARELA
O jovem artista e professor da Pinacoteca realiza sua mais completa exposição em São Paulo. Um realista com ótica pessoal e visão crítica da realidade
Gregório (Santos, 1951) está expondo 48 aquarelas, 17 gravuras, 8 pastéis e 10 desenhos a crayon no Museu de Arte Brasileira, da Fundação “Armando Álvares Penteado”. É a primeira individual completa e importante do artista, que, atualmente, é orientador do curso livre de desenho da Pinacoteca do Estado. Gregório cultivou desde a infância e adolescência o desenho e a técnica do pastel, freqüentou escola de Arquitetura e também curso de Artes Plásticas na FAAP, deixando os dois.
Autodidata, observador e pesquisador - inclusive, em 1974, permaneceu 6 meses em Paris, fazendo anotações, desenhos e estudos - Gregório tem participado de coletivas no Brasil e exterior, usando uma técnica realista, que o aproximava dos norte-americanos. Hoje sua obra ainda é realista, por vezes lírica, de técnica perfeita. No catálogo, diz de Gregório, entre outras coisas, e diretor do MAB, Carlos Von Schmidt:
“... Gregório, artista jovem, 24 anos recém feitos, surgiu por volta de 1971. Seus desenhos naquela época, na maioria a pastel, revelavam um artista sensível, essencialmente urbano, descobrindo a sua cidade. Não via em São Paulo, a cidade que não pode parar, agitada, tresloucada, neurótica. Não lhe interessava os engarrafamentos de trânsito, a poluição, a hora do “rush”. Gostava de observar, de viver as horas mortas, quietas, tranqüilas das madrugadas. A cidade surgia assim envolta em uma luz irreal que lhe emprestava um toque de mistério e solidão. Quase sempre a paisagem cotidiana transfigurava-se quando à luz da madrugada no silêncio das ruas quietas. As sombras, os claro escuros, as silhuetas, estabeleciam formas que se destacavam no espaço com a profundidade plena de mistérios. De casas, prédios, ruas, que dormiam o sono pesado dos minerais, fechadas em si mesmos. Dos passeios noturnos de Gregório, avenidas, ruas, parques, prédios, casas, muros, neons, lâmpadas, anúncios marcam os caminhos do artista. Transfigurá-los através de sua ótica pessoal, transmitindo-lhes suas impressões foi sua visão primeira. Trabalhou-a emprestando o impacto das primeiras descobertas. A fidelidade com que focalizou suas viagens noturnas, a solidão que descobriu nos bares vazios, nas fugidias luzes traseiras de um Volkswagen, na amplidão das avenidas, nas fachadas dos prédios, imóveis transatlânticos mergulhados na noite, levaram seus primeiros críticos a compará-lo com Edward Hoper. Quando a paisagem urbana não mais o satisfez, como Bonnard, procurou, retratar seus ambiente. Os ambientes de seus amigos, das suas amigas. As coisas que lhe são caras. Que lhe dizem respeito. O seu quaro. A cama. A televisão. O banheiro. A cozinha. A janela do vizinho. O vaso de avencas. O botijão de gás, o liquidificador. Ao aproximar-se dos ambientes íntimos dos objetos, das coisas cotidianas, Gregório aproximou-se indiretamente das pessoas que os possuíam. A decantada solidão hoperiana aos poucos diluiu-se. A presença humana passou a ser detectada através de elementos plenos de vitalidade. Esses elementos por sua vez foram substituídos pelas próprias pessoas. Assim, a marca da presença passou a ser a própria presença. O ciclo se completou. O importante para Gregório é o clima que envolve as paisagens, os objetos, as pessoas. Nessa maneira de ver reside a característica básica de Gregório, que alia ao tratamento realista da obra, virtualidades essencialmente líricas”.
“Sempre fui voltado para o realista da vida”
AV - Como vê e encara esta individual, de aquarelas, pastel e gravuras do Museu de Arte Brasileira?
G - Esta individual foi a oportunidade de apresentar o trabalho que vinha fazendo a dois anos em aquarelas.
Sempre tive paixão por essa técnica e cada vez mais tenho me absorvido com ela. Posso dizer que é a primeira vez que mostro aquarelas.
Aproveitando esse acontecimento pensamos, eu e o Carlos Von Schmidt, em fazer uma exposição no momento, isto é, gravura em cobre e zinco que têm me estimulado muito quanto à riqueza de soluções que estava procurando no meu trabalho e também a parte de desenho a crayon e desenho a pastel.
Meu negócio mesmo é desenhar, principalmente observar. Saber ver é fundamental para você trilhar qualquer caminho nas artes.
A produção desta mostra é do 2º semestre de 75 e começo deste.
Estou expondo quase 90 trabalhos sendo 50 aquarelas e o resto entre desenhos e gravuras.
AV - Como foi seu aprendizado?
G - Sempre foi muito curioso. Meu aprendizado foi feito gradativamente desde criança quando aos 10 anos gostava de fazer cópias de Rembrandt, Degas, e Van Gogh e naturalmente fui aprendendo a lidar com lápis pastéis e lápis em geral.
Tinha medo de ser artista, assumir o trabalho liberal, por isto gastei muito tempo pensando em ser arquiteto e fazendo cursinhos e vestibulares.
Um dia resolvi parar tudo. Passei seis meses no ócio, e só assim retomei o desenho muito de leve, sem compromisso algum. Depois de dois anos resolvi participar do Salão Paulista de Arte Moderna em 1971 e daí em diante tenho tentado levar a coisa mais a sério possível.
AV - Como configura o seu realismo?
G - Sempre tive uma visão voltada para o lado realista da vida. Praticamente vivemos o superficial cotidiano sem consciência. Talvez eu esteja querendo chamar a atenção da grande emoção que as coisas simples podem ter. Isto tudo em termos de excitação visual.
Adoro, por exemplo, passar horas observando um canto de casa, aliás, o verbo do meu signo é “eu vejo”. O meu melhor tempo na vida é vendo, quando eu não estou ligando a minha vitrola.
Responder o que eu me considero seria muito complicado e sem graça. Deixo essa tarefa para os críticos
AV - Fale sobre a temática do cotidiano, em sua obra.
G - A temática do cotidiano é muito intrigante. Fico andando na rua e pensando. Existem mil casas e apartamentos. Em cada casa um universo de relações entre pessoas, objetos e paisagens. Gostaria de presenciar tudo, de penetrar dentro década pessoa. A festa é só de noite, durante o dia as coisas estão aparentemente calmas. Eu gosto de fazer do dia uma sutil festa.
Que tal se o Carnaval durasse mais de três dias? No Brasil acho que teria muita aceitação.
Da cena urbana diria que eu me perco andando por túneis e elevados de concreto. Parece um sonho.
Acho que as pessoas não entenderam muito bem essa mudança na paisagem, de uns dez anos para cá. Foi muito radical e rápido. Tento constatar a emoção que isto traz também. Sentindo que às vezes andamos no meio de cenários.
Ao mesmo tempo em que eu adoro passear de madrugada pelas ruas vejo a distância que esta paisagem causa nas necessidades mais vitais das pessoas, de, por exemplo, estar mais em contato com a natureza, com o próprio corpo.
Estas pessoas nuas são a válvula de escape da cidade.
AV - Como se desenvolve seu trabalho na Pinacoteca?
G - Na Pinacoteca têm acontecido coisas incríveis.
Primeiro para as pessoas mais interessadas que conforme a assiduidade e perseverança no trabalho têm desenvolvido a percepção visual. Esta experiência é uma novidade em São Paulo e no Brasil e digo que a Aracy Amaral é uma das pessoas mais sérias e abertas que tenho encontrado no panorama atual das artes visuais.
Para mim individualmente está sendo incrível constatar a variedade de tipos que lá aparecem. Estou em contato com todas as Escolas de Arte de São Paulo. Lá vejo desde Escola Brasil até Pan Americana de Arte.
Tenho seguido o desenvolvimento das pessoas mais assíduas, pois por ser um curso de natureza livre não fazemos exigência nenhuma. Lá quem se exige são as pessoas e seu grau de interesse, o que eu acho mais produtivo que aulas obrigatórias, onde num contexto antigo são necessárias também.
Estamos no começo de um trabalho que ainda vai durar um pouco para florescer. Mas estou muito animado e com muitas perspectivas para ovas experiências em desenho.
Até o momento temos trabalhado com desenho de observação puro com modelo vivo e acho que com 2 aulas semanais temos muito que fazer só aí.
Folha de São Paulo, domingo, 2 de agosto de 1976.
2. PRIMADO DO VISUAL
Gregório, jovem artista premiado na última Bienal e escolhido pelos críticos da APCA como melhor Gravador de 1976, está cada vez mais passando do desenho à gravura. Apesar das férias, trabalha muito no ateliê da Veiga Filho, entremeando seu temo disponível com as atividades de Professor de Desenho Livre na Pinacoteca do Estado e de membro da Comissão de Artes Plásticas da Secretaria da Cultura. Esguio, educado, jovial, Gregório é um bom papo e responde a tudo com seriedade.
“A gravura surgiu a partir de uma preocupação que não podia se contar na técnica do desenho... Naturalmente, efeitos pictóricos foram cedendo lugar para uma simplificação e pureza, onde o traço se tornou função principal com um rigor que vai do racional ao emocional”.
Continua:
“Mas a técnica aprendida vem de longa data. Assimilei, desde criança, com meu pai, a apaixonante arte da gravura. Foram anos efervescentes de descobertas em litografia, gravura em metal, silk screen, e todas as possíveis misturas e variações destas técnicas”.
Fala dos ateliês de Mário Gruber, o pai:
“O ateliê de Socorro e sua extensão na Rua Catoxó, em Perdizes, deixou marcas de importância na Gravura Brasileira. Passaram por lá artistas como Hamasgush, o mestre japonês, e muitos outros, de valor nacional e internacional. O ateliê foi considerado pelos representantes da Ford Foundation e da Fundação Guggenheim, como um dos maiores e mais completos ateliês da América Latina”.
Gregório conta de sua exposição individual de gravura no Rio de Janeiro, na Grafithi, quando Frederico Moraes lhe dedicou um artigo, “Autobiografia do olhar”. O tema principal do trabalho criador de Gregório – como agora – é o olhar que procura exercitar o detalhe naquilo que, por força da circunstância urbana se encontra inevitavelmente perto, e, assim, o que ganha expressividade é a fusão de pequenos gestos e objetos – fumar, costurar, telefonar, tomar café, banhar-se, retirar alguma coisa da geladeira.
“Às vezes – diz o crítico – mais o objeto que o gesto, o olhar tenta perscrutar a vida íntima do silencio da noite. O que Gregório propõe é uma espécie de educação do olhar renovando nosso prazer visual. E assim voltamos ao primado do visual”.
Das mostras coletivas, as últimas foram no Museu de Arte Moderna da Bahia, Coleção Gilberto Chateaubriand, Bienal Nacional e Panorama da Arte Atual do MAM de São Paulo. Em todas obteve destaque, sendo que, na Bienal, vendeu todos os trabalhos, fato inédito, até então, em bienais para um artista brasileiro.
“Este ano pretendo levar a gravura assuas conseqüências máximas (ponta seca, água tinta e água forte), sobre cobre ou zinco. O jeito é criar um método de trabalho onde não se perca o ritmo. Assim, por exemplo, a experiência de uma placa feita serve para a segunda e a terceira e assim por diante. O que não se pode é truncar o trabalho, como observou que, às vezes, muitos fazem.”
Gregório está terminando e refletindo:
“Com gravura precisa se ter o máximo de boa vontade e mesmo assim não basta, porque ocasionalmente ficamos de cabelo em pé e só falta se jogar no chão de desespero, quando num erro perdemos um ou mais dias de trabalho. Por isso, gravura é sinônimo de persistência, boa vontade e amor”.
Folha de São Paulo, domingo, 23 de janeiro de 1977.
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