Segundo críticos e artistas, este será um ano maior para a gravura brasileira, e, sem dúvida, a retrospectiva de Lívio Abramo, na Bienal, o seu ponto mais alto. É a primeira retrospectiva de Lívio que anuncia trazer de 300 a 400 obras suas, de todas as fases, para a importante mostra. Lívio atualmente desempenha no Paraguai missão cultural e didática, mas, também, produz gravuras e desenhos, no amplo ateliê do Centro de Estudos Brasileiros do Itamarati. Ali labora pacientemente mais uma série de trabalhos (“Paraguai”) de alto nível, ainda dentro do realismo mágico abstratizante.
A professora Ilsa Kawall Leal Ferreira fez tese de mestrado, sobre Lívio. Um trabalho objetivo e abrangente da obra de Lívio Abramo. E tem mais, a justificar o ano da gravura: Marcelo Grassmann continua produzindo ativamente e ilustra um livro de Carlos Lacerda. Maria Bonomi realiza pesquisas e exporá na Europa. Mario Gruber reabre seu ateliê em Paris, depois de nova exposição em São Paulo. Isar do Amaral Berlink tem promessa do prefeito Olavo Setubal de abertura do Museu da Gravura, reunindo o antigo acervo do NUGRASP, que seria atualizado.
A Pinacoteca atualmente espõe 65 gravuras de Grassmann e, o MAC, dedica exposição especial à gravura nacional, em mostra didática. No Rio, continua muito ativo o melhor time da gravura, como Fayga Ostrower, Edith Bering, Isabel Pons, Renina Katz, Ana Letícia e outros. O Itamaraty, em Brasília, proporciona a vinda das obras de Alex Leskochek, austríaco que ensinou gravura entre nós, de 1940 a 1948, gerando discípulos do porte de uma Fayga - e ele próprio um miniaturista e gravador de seguro metier. E ainda há o trabalho, que executam Romildo Paiva, Evandro Jardim, Odeto Guesoni, Emanuel Araújo e Ilsa Kawall Leal Ferreira, entre outros, partindo para novas experiências na execução de sua arte. Teremos também a publicação de livro sobre a gravura brasileira, de autoria do gravador e pesquisador carioca Orlando da Silva, “A arte maior da gravura”, com participação gráfica de Grasssmann. A obra historia a gravura dos tempos, suas técnicas diversas e a gravura no Brasil - desde o Pe. Viegas de Menezes, João José de Souza, Braz Sinibaldi, Debret, Felix Taunay e outros da Missão Francesa, Pedro Meingurther, Alfredo Pinheiro, Henrique Alvim Correia, Raimundo Cela, Raul Pedroso, Lasar Segall e outros. Até chegar à fase “dos três grandes artistas que implantaram a gravura no Brasil”, Carlos Oswald, Oswaldo Goeldi e Lívio Abramo. E é Lívio Abramo que nos interessa hoje. Com seu depoimento aqui publicado, o leitor volta ao convívio com um dos pioneiros da gravura brasileira.
Lívio explica o CEB
Depois de um mês em São Paulo, revendo amigos, artistas e instituições culturais, deixa nossa Capital o gravador Lívio Abramo, que retorna à Assunção, onde dirige desde 1962 o setor de Artes Plásticas e Visuais do Centro de Estudos Brasileiros do Itamarati. Lívio volta em outubro para a inauguração de sua retrospectiva de 300/400 trabalhos, entre desenhos, gravuras e guaches, que será realizada pela Fundação Bienal, junto à Bienal Nacional.
A ação do CEB desenvolve-se em três áreas: o ensino da língua portuguesa, a cooperação com a Universidade Nacional em diversas áreas de conhecimento através de cátedras dirigidas por professores brasileiros e o setor de Artes Plásticas, que engloba uma Escolinha de Arte, para crianças; um Curso de Artes para adolescentes; um curso de gravura; um curso de pintura e um curso de História e Análise da Arte, este último regido por Lívio Abramo. Os demais cursos são regidos por professores e artistas paraguaios.
O Centro de Estudos Brasileiros, inicialmente Missão Cultural Brasileira, tem realizado um profícuo intercâmbio cultural e artístico seja no campo cultural e artístico, seja na divulgação da arte brasileira. Como contrapartida o CEB tem promovido o intercâmbio de artistas paraguaios na sua programação artística. No campo do intercâmbio intelectual e artístico, só para dar um exemplo, bastaria citar o caso da gravadora paraguaia Edith Jiménez,que foi contemplada comum dos 10 principais prêmios na Bienal de São Paulo (1975), artista formada no CEB e que posteriormente passou a dirigir o Curso de Gravura. O trabalho do CEB desenvolve-se também em seminários, cursos e conferências nas principais cidades do interior do Paraguai, resultado e fruto do trabalho coletivo de todos os professores que compõem a equipe do Centro de Estudos Brasileiros, ressaltou Lívio Abramo.
A nossa gravura e a arte brasileira
Para Lívio Abramo a gravura brasileira atingiu um grau muito alto de capacidade técnica, mas que, esse tecnicismo, por maiores que sejam suas virtudes, vai diminuindo cada vez mais o sentido universalista que toda manifestação artística deve possuir, sob pena de tornar-se intranscendente e afastar-se do alvo principal: o homem.
“Tenho tido ocasião de ver muitas gravuras ótimas como técnica, mas que estão inevitavelmente destinadas à limitada função de decorar a parede do fundo de um corredor em uma casa qualquer, principalmente de grã-finos. Os resultados estupefacientes da atual técnica da gravura de arte conduzem a esse beco sem saída. Sei que estas palavras vão descontentar a muita gente, mas está claro que sempre respeito as exceções.”
“E no momento em que se fala tanto em arte brasileira, legítima ou ilegítima, bastaria lembrar que a realidade brasileira, a realidade real, do homem e da natureza brasileiros, está aí à mostra de todos e basta lançar mão dos elementos que essa realidade apresenta em sua nudez e verdade, despida de todos os ouropéis inúteis, para fazer-se Alete brasileira, seja interpretando o drama humano ou o espetáculo grandioso da natureza.”
“Quando existe esse “miolo”, a maneira de apresentá-lo e expressá-lo difere de mil modos e nesse particular - queiram ou não todos os “soi-disants” intelectuais que discursam ou dizem gracinhas mais ou menos estapafúrdias sobre a realidade artística brasileira - todos os modos e maneiras, adquiridas ou originais, são boas. Desde Cabral aos índios, aos negros, às grande massas de imigrantes de todas as partes do mundo, às culturas de todos os povos que aqui aportaram, ao nosso folclore do norte, do nordeste, do centro e do sul, fomos sempre um país que teve a desvantagem e a vantagem de beber em múltiuplas fontes da cultura universal. Essas raízes espalham-se sob a terra de quatro continentes e desenvolveram-se em uma frondosa árvore, que deu e continua a dar inúmeros frutos, alguns maravilhosos, outros bens e alguns também bichados.”
Lívio, desde sempre, foi Lívio
“Aprendi a gravar sozinho, sem que ninguém me assessorasse, por volta de 1926, depois de ter visto algumas gravuras da Bauhaus, em São Paulo, numa sociedade alemã.” “Essas gravuras - de Eckel, Nolde, Schimidt-Rotluff - foram as que me impressionaram, assim como algumas gravuras de Oswaldo Goeldi, que havia visto em “O Jornal” (do Rio).”
“Nunca tentei imitar o estilo de Goeldi ou de outros expressionistas alemães. O que me impressionou foi a “maneira expressionista” deles.” “Considero-me e fui sempre autodidata, que aprendeu pouco a pouco sozinho a técnica de gravar na madeira. Só conheci Goeldi pessoalmente em 1948, quando fui ao Rio entregar as gravuras para o livro “Pelo Sertão”, editado pela Sociedade 100 Bibliófilos do Brasil. A essa altura, creio poder dizer, conforme comprovam as gravuras da época, que eu era dono de meu próprio estilo, que tinha forjado. Portanto, respeito a importância de Goeldi na gravura brasileira, como o pioneiro - sim - da moderna gravura no Brasil. E posso dizer que compartilhei - isso sim - com ele, da luta pela afirmação da gravura moderna no Brasil, durante longos anos de trabalho solitário. Isso é o que eu tenho de comum com ele. Faço essa declaração para que não se pense, como geralmente se diz, ter sido eu um aluno ou ter começado a gravar imitando Goeldi.”
Para quem não sabe, Lívio Abramo (1903/1992) foi um dos gravuristas da maior importância para o nosso país, além de ter sido desenhista, professor, crítico de arte, chargista, disgner de objetos e curador de exposições. Foi premiado pelo Salão Nacional de Belas Artes, quando obteve o premio de viagem ao exterior. Seguiu para a Europa em 1951, aperfeiçoando-se em gravura em metal em Paris. Em sua dissertação de mestrado sobre a obra de Lívio Abramo, minha irmã, Ilsa Kawall Leal Ferreira já chamava a atenção para a necessidade de se conhecer as atividades dele como educador o que descortinaria a nossos olhos a importância dele na formação de artistas brasileiros.
Desde 1953 a 1962 no Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 1960 no Estúdio da Gravura, criado por ele e em Missão Cultural Brasil-Paraguai a partir de 1962, no Paraguai onde ficou até a morte em 1992. Entre seus alunos estavam a própria Ilsa, José Cláudio, Maria Bonomi, Henrique Amaral, Betty Richard.
Texto: Luiz Ernesto Machado Kawall - Folha de São Paulo / Artes Visuais
A professora Ilsa Kawall Leal Ferreira fez tese de mestrado, sobre Lívio. Um trabalho objetivo e abrangente da obra de Lívio Abramo. E tem mais, a justificar o ano da gravura: Marcelo Grassmann continua produzindo ativamente e ilustra um livro de Carlos Lacerda. Maria Bonomi realiza pesquisas e exporá na Europa. Mario Gruber reabre seu ateliê em Paris, depois de nova exposição em São Paulo. Isar do Amaral Berlink tem promessa do prefeito Olavo Setubal de abertura do Museu da Gravura, reunindo o antigo acervo do NUGRASP, que seria atualizado.
A Pinacoteca atualmente espõe 65 gravuras de Grassmann e, o MAC, dedica exposição especial à gravura nacional, em mostra didática. No Rio, continua muito ativo o melhor time da gravura, como Fayga Ostrower, Edith Bering, Isabel Pons, Renina Katz, Ana Letícia e outros. O Itamaraty, em Brasília, proporciona a vinda das obras de Alex Leskochek, austríaco que ensinou gravura entre nós, de 1940 a 1948, gerando discípulos do porte de uma Fayga - e ele próprio um miniaturista e gravador de seguro metier. E ainda há o trabalho, que executam Romildo Paiva, Evandro Jardim, Odeto Guesoni, Emanuel Araújo e Ilsa Kawall Leal Ferreira, entre outros, partindo para novas experiências na execução de sua arte. Teremos também a publicação de livro sobre a gravura brasileira, de autoria do gravador e pesquisador carioca Orlando da Silva, “A arte maior da gravura”, com participação gráfica de Grasssmann. A obra historia a gravura dos tempos, suas técnicas diversas e a gravura no Brasil - desde o Pe. Viegas de Menezes, João José de Souza, Braz Sinibaldi, Debret, Felix Taunay e outros da Missão Francesa, Pedro Meingurther, Alfredo Pinheiro, Henrique Alvim Correia, Raimundo Cela, Raul Pedroso, Lasar Segall e outros. Até chegar à fase “dos três grandes artistas que implantaram a gravura no Brasil”, Carlos Oswald, Oswaldo Goeldi e Lívio Abramo. E é Lívio Abramo que nos interessa hoje. Com seu depoimento aqui publicado, o leitor volta ao convívio com um dos pioneiros da gravura brasileira.
Lívio explica o CEB
Depois de um mês em São Paulo, revendo amigos, artistas e instituições culturais, deixa nossa Capital o gravador Lívio Abramo, que retorna à Assunção, onde dirige desde 1962 o setor de Artes Plásticas e Visuais do Centro de Estudos Brasileiros do Itamarati. Lívio volta em outubro para a inauguração de sua retrospectiva de 300/400 trabalhos, entre desenhos, gravuras e guaches, que será realizada pela Fundação Bienal, junto à Bienal Nacional.
A ação do CEB desenvolve-se em três áreas: o ensino da língua portuguesa, a cooperação com a Universidade Nacional em diversas áreas de conhecimento através de cátedras dirigidas por professores brasileiros e o setor de Artes Plásticas, que engloba uma Escolinha de Arte, para crianças; um Curso de Artes para adolescentes; um curso de gravura; um curso de pintura e um curso de História e Análise da Arte, este último regido por Lívio Abramo. Os demais cursos são regidos por professores e artistas paraguaios.
O Centro de Estudos Brasileiros, inicialmente Missão Cultural Brasileira, tem realizado um profícuo intercâmbio cultural e artístico seja no campo cultural e artístico, seja na divulgação da arte brasileira. Como contrapartida o CEB tem promovido o intercâmbio de artistas paraguaios na sua programação artística. No campo do intercâmbio intelectual e artístico, só para dar um exemplo, bastaria citar o caso da gravadora paraguaia Edith Jiménez,que foi contemplada comum dos 10 principais prêmios na Bienal de São Paulo (1975), artista formada no CEB e que posteriormente passou a dirigir o Curso de Gravura. O trabalho do CEB desenvolve-se também em seminários, cursos e conferências nas principais cidades do interior do Paraguai, resultado e fruto do trabalho coletivo de todos os professores que compõem a equipe do Centro de Estudos Brasileiros, ressaltou Lívio Abramo.
A nossa gravura e a arte brasileira
Para Lívio Abramo a gravura brasileira atingiu um grau muito alto de capacidade técnica, mas que, esse tecnicismo, por maiores que sejam suas virtudes, vai diminuindo cada vez mais o sentido universalista que toda manifestação artística deve possuir, sob pena de tornar-se intranscendente e afastar-se do alvo principal: o homem.
“Tenho tido ocasião de ver muitas gravuras ótimas como técnica, mas que estão inevitavelmente destinadas à limitada função de decorar a parede do fundo de um corredor em uma casa qualquer, principalmente de grã-finos. Os resultados estupefacientes da atual técnica da gravura de arte conduzem a esse beco sem saída. Sei que estas palavras vão descontentar a muita gente, mas está claro que sempre respeito as exceções.”
“E no momento em que se fala tanto em arte brasileira, legítima ou ilegítima, bastaria lembrar que a realidade brasileira, a realidade real, do homem e da natureza brasileiros, está aí à mostra de todos e basta lançar mão dos elementos que essa realidade apresenta em sua nudez e verdade, despida de todos os ouropéis inúteis, para fazer-se Alete brasileira, seja interpretando o drama humano ou o espetáculo grandioso da natureza.”
“Quando existe esse “miolo”, a maneira de apresentá-lo e expressá-lo difere de mil modos e nesse particular - queiram ou não todos os “soi-disants” intelectuais que discursam ou dizem gracinhas mais ou menos estapafúrdias sobre a realidade artística brasileira - todos os modos e maneiras, adquiridas ou originais, são boas. Desde Cabral aos índios, aos negros, às grande massas de imigrantes de todas as partes do mundo, às culturas de todos os povos que aqui aportaram, ao nosso folclore do norte, do nordeste, do centro e do sul, fomos sempre um país que teve a desvantagem e a vantagem de beber em múltiuplas fontes da cultura universal. Essas raízes espalham-se sob a terra de quatro continentes e desenvolveram-se em uma frondosa árvore, que deu e continua a dar inúmeros frutos, alguns maravilhosos, outros bens e alguns também bichados.”
Lívio, desde sempre, foi Lívio
“Aprendi a gravar sozinho, sem que ninguém me assessorasse, por volta de 1926, depois de ter visto algumas gravuras da Bauhaus, em São Paulo, numa sociedade alemã.” “Essas gravuras - de Eckel, Nolde, Schimidt-Rotluff - foram as que me impressionaram, assim como algumas gravuras de Oswaldo Goeldi, que havia visto em “O Jornal” (do Rio).”
“Nunca tentei imitar o estilo de Goeldi ou de outros expressionistas alemães. O que me impressionou foi a “maneira expressionista” deles.” “Considero-me e fui sempre autodidata, que aprendeu pouco a pouco sozinho a técnica de gravar na madeira. Só conheci Goeldi pessoalmente em 1948, quando fui ao Rio entregar as gravuras para o livro “Pelo Sertão”, editado pela Sociedade 100 Bibliófilos do Brasil. A essa altura, creio poder dizer, conforme comprovam as gravuras da época, que eu era dono de meu próprio estilo, que tinha forjado. Portanto, respeito a importância de Goeldi na gravura brasileira, como o pioneiro - sim - da moderna gravura no Brasil. E posso dizer que compartilhei - isso sim - com ele, da luta pela afirmação da gravura moderna no Brasil, durante longos anos de trabalho solitário. Isso é o que eu tenho de comum com ele. Faço essa declaração para que não se pense, como geralmente se diz, ter sido eu um aluno ou ter começado a gravar imitando Goeldi.”
Para quem não sabe, Lívio Abramo (1903/1992) foi um dos gravuristas da maior importância para o nosso país, além de ter sido desenhista, professor, crítico de arte, chargista, disgner de objetos e curador de exposições. Foi premiado pelo Salão Nacional de Belas Artes, quando obteve o premio de viagem ao exterior. Seguiu para a Europa em 1951, aperfeiçoando-se em gravura em metal em Paris. Em sua dissertação de mestrado sobre a obra de Lívio Abramo, minha irmã, Ilsa Kawall Leal Ferreira já chamava a atenção para a necessidade de se conhecer as atividades dele como educador o que descortinaria a nossos olhos a importância dele na formação de artistas brasileiros.
Desde 1953 a 1962 no Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 1960 no Estúdio da Gravura, criado por ele e em Missão Cultural Brasil-Paraguai a partir de 1962, no Paraguai onde ficou até a morte em 1992. Entre seus alunos estavam a própria Ilsa, José Cláudio, Maria Bonomi, Henrique Amaral, Betty Richard.
Texto: Luiz Ernesto Machado Kawall - Folha de São Paulo / Artes Visuais
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