O público paulistano assiste a duas exposições de nível, a testar que, quando se trabalha com sensibilidade e criatividade, quem ganha é a cultura, fim último de toda manifestação artística autêntica. As mostras são, uma, a “Vila Penteado”, promovida pela FAU-USP na Cidade Universitária, reunindo documentação visual e gráfica de um prédio de valor arquitetônico e histórico, a “Vila Penteado” (Rua Maranhão, 88, Higienópolis), projetado segundo uma concepção de espaço e características “art-nouveau” em São Paulo; e, a outra, no Museu Lasar Segall, a “A Família Graz-Gomide” - o “artdeco” do Brasil”, apresentando obras de grande valor artístico, produzidas nos anos 20 e 30 responsáveis pelo desenvolvimento do “art-deco” ente nós - Regina Gomide Graz, John Graz e Antonio Gomide, chegados da Europa onde a tendência da arte decorativa era muito grande no após guerra.
Duas exposições que se completam e revelam a contribuição que, em determinada época, deram o “art-nouveau” e o “art-deco” - seja na arquitetura, seja na tapeçaria, na pintura, no mobiliário, nas artes gráficas, na decoração, - aos rumos da arte em nosso meio, mesmo quando a influencia dos modernistas de 22 se fazia sentir mais forte.
A “Vila Penteado”, projeto do arquiteto sueco Carlos Eckman, em 1902, situa-se no bairro de Higienópolis, aberto por Victor Nothmann e Martinho Buchard no fim do século XIX e onde se localizaram logo os grandes proprietários de fazendas de café, bem sucedida cultura que se constituíam também no suporte da nascente industrialização paulista. O bairro crescia com as residências de gosto frances e inglês, sendo o proprietário da “Vila”, Antonio Álvares Penteado, fazendeiro de café e um dos pioneiros da grande indústria. Foi construída em área de um hectare, coincidindo com as primeiras residências “art-nouveau” projetadas pelo arquiteto francês Victor Dubugras.
Na exposição, idealizada pelo arquiteto Nestor Goulart dos Reis Filho, do CONDEPHAAT, está documentado todo o processo de tombamento do prédio - que serviu de sede da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, até a mudança desta para a Cidade Universitária, e que ainda hoje abriga um setor dessa Escola. A mostra procura focalizar, através de textos, fotografias, plantas e maquetes, o panorama histórico, arquitetônico e urbano em que a residência foi construída, o arquiteto e sua obra, seu valor histórico para a história da arquitetura de São Paulo e do Brasil, os proprietários e sua atuação no campo social e econômico, e ainda as várias funções atribuídas ao prédio nos seus 75 anos iniciais de existência.
Para se pesar a importância da exposição realizada no saguão da FAU, basta enumerar a série de artigos e respectivos autores, do bem elaborado catálogo, que teve a coordená-la a historiógrafa Maria Cecília Naclério Homem Prado e o arquiteto Lucio Gomes Machado: “O Edifício da Vila Prado em 1976”, Nestor Goulart Reis Filho; “Relatório de Pesquisa”, Maria Cecília Naclério Homem Prado; “A Velha FAU”, Flávio Motta; “São Paulo de 1930”, Warren Dean; “Aspectos da Arquitetura no início do século XX”, Luiz Carlos Daher; “Recordações de Minha Vila”, Carlos Ekman; “Uma Família Paulista”, Maria Cecília Naclério Homem Prado; “A Vila Penteado como Residência”, Maria Cecília Naclério Homem Prado; “São Paulo e o art nouveau”, Flávio L. Motta; “A Construção da Vila Penteado”, Carlos A. C. Lemos. “FAU - itinerário de uma metamorfose, José Cláudio Gomes; “A Restauração” (Faustina), Flávio L. Motta.
Trabalharam ainda no projeto da exposição, também circulante, Cristiano Mascaro e Samuela de Queiroz Moreira (fotografias), Evanise Colombini de Miranda (programação visual), Antonio Carlos Carneiro e José Salles Costa Filho (levantamento do edifício) e Israel Leopoldo de Mendonça e Hélio Iagher (maquete).
Quanto à “Família Graz-Gomide - art deco no Brasil”, no Museu Lasar Segall, consta de peças móveis, tapeçarias, projetos de vitrais, aquarelas e objetos art-deco produzidos aqui e na Europa nas décadas de 20 e 30. Regina e seu irmão António foram estudar na Suíça em 1913 e lá conheceram John. Voltam ao Brasil e logo após casam-se Regina e John, dedicando-se ao trabalho pioneiro e fascinante de introduzir a nova tendência no Brasil, nem sempre bem compreendidos e aceitos. Parte de seu trabalho se encontra em residências e edifícios, muitos deles já destruídos. Outras obras tinham sido vistas em exposições anteriores, no Museu de Arte de São Paulo.
No catálogo, o Prof. P. M. Bardi faz elogios à obras de Antônio Gomide, pintor de talento, escultor, e que nos últimos anos se dedicou à produção de projetos destinados ao preparo de vitrôs, mármores, tecidos e inúmeros materiais destinados à arquitetura de interior. Bardi destaca a obra de John - um dos pioneiros vivos da Semana de 22 - pintor de paisagens ricas de observações, desenhista de móveis e painéis, criador de ambientes “de um bom gosto que nada fica a dever aos melhores estilistas do Deco da Europa”. Regina, por sua vez, se dedicou à tecelagem de arte, inauguradora desse tipo de artesanato no Brasil, onde “executou belíssimas tapeçarias em mosaico de segmentos costurados, além de tapetes de esplêndidos padrões”.
As duas mostras - de arquitetura “art-nouveau” e de “art-deco” - vêm ilustrar artística e culturalmente, em nível de significação histórica, o fim de ano nas artes visuais em São Paulo. Neste texto se insere também, por extensão qualitativa, a exposição coincidente de óleos e têmperas de John Graz numa galeria do Jardim Europa, com apresentação crítica de Geraldo Ferraz, que, num pequeno artiguete, “Tropical, não tropicalismo”, confessa sua surpresa ante a produção atual de Graz, liberta, abrangente, imaginosa, sem convencionalismo e amorosa.
Folha de São Paulo, 7 de novembro de 1.976.
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