Estive Na Bienal, sim, nesse grande acampamento das artes visuais de nossos dias... Mas não quero falar sobre o que vi, no dia seguinte amanhecia gripado, a maior gripe da minha vida... Do pescoço pra cima, fiquei atacado, a garanta dói, a vista direita está oscilando... Será que a Bienal me fez mal?... Não sei a exceção da retrospectiva de Kandinski, que me encheu os olhos e a sensibilidade, o resto... Não quero comentar... Só sei que estou espirrando até hoje.
Rebolo Gonzales, um dos habitantes pioneiros do Morumbi, recebe com fidalguia e simpatia, sua figura humana encanta e alegra qualquer ambiente. Está completando 71 anos, enxuto e firme. Custodiado pela família atenta e severa quanto a qualquer arroubo daqueles dos tempos gloriosos do Clubinho. Ainda há pouco, emocionou-se com um artigo de Walmir Ayala a seu respeito, o crítico do “Jornal do Brasil” fez uma linda apologia da arte rebiliana, ainda presa, ano a ano, à pincelada firme do mestre paisagista. Expondo regularmente desde o início da carreira há 40 anos, Rebolo acha que a obra de arte tem sua realização maior na possibilidade de servir de instrumento de comunicação de emoções às pessoas, o que ele procura através de uma pintura não cerebral e sim fundamentalmente emocional.
- É verdade, a convite da direção paulista da “Manchete” fui à Festa da Paz, na “A Hebraica”, promovida pela Federação Israelita no Brasil. Já há décadas passadas, os artistas brasileiros assumiram posição firme ao lado da liberdade, contra as tiranias e as guerras... Em 1943, lembro-me bem, enviamos um valioso lote de telas para a Inglaterra, para venda em favor dos heróis da RAF... A Duquesa de Kent comprou essas obras e nós nos sentimos orgulhosos em luar contra o nazismo que então ameaçava o mundo... Nós continuamos essa luta pela liberdade, contra a guerra, até hoje, por isso estive agora naquela entidade, ao lado de autoridades, políticos e outros artistas, que assim também pensam.
Depois do pleno êxito da retrospectiva realizada no Museu de Arte Moderna, em abril deste ano, Rebolo Gonzales vai inaugurar, no mês de novembro, duas importantes exposições, desta vez no Rio e em Brasília. A exposição retrospectiva em Brasília será inaugurada no dia 19 de novembro, na sala de exposições da Fundação Cultural do Distrito Federal (Av. W-3), permanecendo aberta à visitação pública até 9 de dezembro.
Estarão expostos 100 óleos, além de um conjunto de aquarelas e desenhos, representado os 40 anos de atividade artística de Rebolo, com trabalhos datados de 1934 a 1973. As obras são de coleções particulares de São Paulo, Brasília e Rio, e algumas delas integram o acervo de Museus e entidades públicas e privadas.
Na ocasião, será lançado em Brasília o livro “Rebolo” (2ª edição), reunindo uma série de textos sobre o artista, assinados pelos mais expressivos críticos e intelectuais atuantes nas últimas décadas (Sérgio Milliet, Mário de Andrade, Roger Bastide, Arnaldo pedroso Horta, Paulo Mendes de Almeida, Mário Schemberg, Delmiro Gonçalves, Jorge Amado e outros), além de depoimento de diversos artistas. O livro conta também com 40 obras reproduzidas, além de mais de 30 ilustrações, num total de 96 páginas. A Fundação Cultural do Distrito Federal editará um catálogo com apresentação de Walmir Ayala, textos críticos, currículo, depoimento do artista e relação de obras expostas. Lançará também um cartaz comemorativo com reprodução de obras de Rebolo. A retrospectiva terá cunho didático, o que será realçado com a inclusão de placas com textos críticos explicativos das fases e do sentido da obra reboliana. Não haverá obras à venda. A coordenação geral da mostra é do prof. Antonio Gonçalves de Oliveira, que prepara estudo sobre o artista.
- O Grupo Santa Helena, a meu ver, merece melhor estudo... Há uma tendência de nossos críticos de arte considerar o nosso Grupo, que tão grande importância teve na arte brasileira, como resultado de um agrupamento de artistas que desejavam fazer proselitismo, seja ele social, político, ideológico pictórico e coisas assim... Tudo errado. Nós nos reunimos por razões econômicas, de sobrevivência do dia-a-dia... Tínhamos profissões diversas e pintávamos nas horas livres e nos domingos e, quando vendíamos um quadro, era uma festa, tomávamos chope e outras coisas... Quem estudou bem o Grupo foi o Saudoso Sérgio Milliet, pena que depois dele não tivesse surgido um pesquisador e analista de seu porte intelectual para estudar a formação, a influência, a importância do Santa Helena na arte brasileira atual... Mas esse crítico, espero, ainda pode surgir, saído das nossas universidades, que já se vão voltando para os estudos de inspiração brasileira, em todos os setores.
Na Galeria Intercontinental (Rua Maria Quitéria, 42, Ipanema), Rebolo inaugura no dia 12 de novembro, segunda-feira, às 21 horas, uma exposição de obras recentes. Na abertura da mostra será exibido curta-metragem inédito sobre o artista, com direção de Fernando Campos e texto de Walmir Ayala. Tal como em Brasília, no coquetel de abertura será lançado o livro “Rebolo”, contendo significativa documentação sobre o artista. Depois de 13 anos sem realizar mostras individuais no Rio, Rebolo estará expondo 22 trabalhos, incluindo algumas telas de pequeno formato, com preços variando de Cr$ 4.500,00 a Cr$ 20.000,00. Dias 13 e 14 de novembro, às 21 horas, a Galeria Intercontinental promoverá duas palestras com debates, apresentadas por Lisbeth Gonzales, sua filha, sobre os temas: “O Grupo Santa Helena e os Movimentos Artísticos da Década de 30” e “A Obra de Rebolo Gonzalez”, com projeção de slides e filme.
Achei interessante o comentário do Geraldo Ferraz sobre o “Panorama da Arte Brasileira”, promovido pelo Museu de Arte Moderna, uma formidável mostra de arte, retratando a arte no Brasil, hoje. Goste da comparação que fez da minha pintura com a de Pancetti, só que o artista mineiro gostava mais a marinha, e eu da paisagem... E é exato que as paisagens minhas que o Geraldo viu no “Panorama” não são propriamente com “colorido paulista”, pois, elas foram pintadas em Guarapari, Espírito Santo, nas últimas férias que tive... Se fizesse “cor paulista” pintando lá, aí seria desonesto, não é verdade?...Mas está claro que ele não sabia que as pinturas não eram paulistas, aqui do Morumbi, desta vez.
Nascido em 1902, filho de imigrantes espanhóis, Rebolo foi jogador de futebol e pintor-decorador de residências, antes de começar a pintar, em 1934. Em meados da década de 30, autodidata, é um dos integrantes do Santa Helena, pintores de origem proletária, imigrantes ou deles descendentes, que se reuniam, como amigos e colegas pintores, em duas salas do Edifício Santa Helena, na Praça da Sé, hoje demolido. Nos anos seguintes, participa das exposições da Família Artística Paulista, o Salão de Maio e de uma série de mostras coletivas, fazendo sua primeira individual em 1943. No ano de 1945, junto com outros pintores funda o clube dos artistas e Amigo das Artes (“Clubinho”) e, anos depois, vai ser um dos diretores do jornal “Artes Plásticas” e um dos fundadores do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Na década de 50, participa das primeiras Bienais de São Paulo, dela retirando-se depois de não concordar com alguns critérios que passaram a nortear a mostra. Resultado da luta dos artistas modernos, nas décadas anteriores, em 1951 dá-se a criação do Salão Nacional de Arte Moderna, onde Rebolo conquista em 1954 o “Prêmio Viagem ao Exterior”, considerado o principal prêmio em mostras de salões oficiais brasileiros. Nesta altura, Rebolo já tinha conquistado todos os prêmios dos principais Salões de Arte e partiu para a Europa, lá ficando durante dois anos, pintando em diversos países e freqüentando o ambiente artístico dos lugares por onde passava. Desse período (dois anos) resultou a chamada “Fase da Europa”, principalmente fachadas da Itália e paisagens da Áustria e da Alemanha.
Em abril de 1973, o Museu de Arte Moderna de São Paulo realizou importante mostra retrospectiva da obra reboliana, reunindo 380 trabalhos, entre óleos, desenhos, aquarelas e gravuras, o que veio realçar o interesse em torno de sua obra. Neste mesmo ano, Rebolo foi escolhido por um júri de críticos e artistas para fazer os quadros que ilustrarão as grandes extrações da Loteria Federal, uma premiação da Caixa Econômica Federal destinada a formar um acervo dos principais artistas brasileiros. Em termos numéricos, Rebolo já fez quase 2.000 óleos, em 40 anos de carreira ininterrupta, além de cerca de 40 matrizes de gravuras (xilogravura, zincografia e litogravura), em tiragens de 20 e 50 exemplares, um número relativamente pequeno de guaches, aquarelas e monotipias e uma série de desenhos (especialmente com estudo da figura humana e como suporte para a pintura, depois que deixou de pintar “ao vivo, do natural). No passado, fez também alguns afrescos em prédios e residências.
Tem obras em centenas de coleções particulares de São Paulo, Rio, Brasília, Porto Alegre, Belo Horizonte e outras cidades brasileiras. Óleos e Rebolo também integram o acervo de importantes museus, como o Museu de Arte Moderna de São Paulo, o Museu de Arte Contemporânea da USP, a Pinacoteca do Estado de S. Paulo, os Museus de Arte Moderna de Nova Iorque e Londres, o Museu Nacional de Belas Artes; consta igualmente do acervo do Senado Federal, da Caixa Econômica Federal e de várias organizações privadas.
Sim, estou animado com minhas próximas exposições em Brasília, com promoção oficial, e no Rio de Janeiro, mostra coordenada por Walmir Ayala... A arte é para ser difundida e mostrada, e, afinal, como diz o Chacrinha, quem não se comunica, se estrumbica, mesmo que seja corintiano fanático, como eu... Só o que lamento é que os anos de hoje não sejam os de ontem, quando o artista passava fome e pintava por teimosia... Hoje, ele tem um mercado diante de si, onde agem marchas, galerias, leiloeiros, todos proporcionando facilidades para o artista para que ele possa fazer o que mais gosta e necessita: criar com liberdade.
TRIBUNA DE SANTOS
4 de novembro de 1973.
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