sábado, 15 de novembro de 2014

GRUBER, O GRANDE SEDUTOR


O intelectual e crítico de artes plásticas Francisco Luis Almeida Salles, presente á exposição de Mário Gruber, no Escritório de Artes Renato Magalhães Gouveia, diz lembrar-se “de Gruber, com Aldemir e Grassmann, convivendo jovens, com a gente mais velha, naquele itinerário noturno que nos levava, da Sete de Abril do Barzinho à Rego Freitas, do Clubinho”. 

“Eram os anos 40 – prossegue Almeida Salles – e Gruber tentava a gravura. Dele tenho um exemplar, das suas primeiras experiências. Estava, ainda, com a sua arte em elaboração, mas havia nos seus olhos uma iluminação, que, juro por Deus, percebi”. 

“E eles se revelavam na fidelidade a um projeto que os animava e que os diferenciava”. 

“Estão aí, Grassmann, na gravura, Aldemir, no desenho e Gruber, na pintura, e vendo-os hoje, eu os vinculo àquele sôfrego e nascente impulso que eu, amigo, testemunhei.” 

“Mas sobre Gruber, quero denunciar, como um policial, esse fabuloso itinerário do seu crime: o de roubar, de súbito, sem que percebêssemos, na rotina, linhas, cores e volumes, bases da pintura nascente, para criar um mundo próprio e diferenciado, nascido de uma longa e obstinada elaboração. 

Almeida Salles fala especificamente das telas de Gruber, continuando: 

“E, de repente, percebemos meninos planetários equilibrando, na mais ousada das composições, bolas e balões coloridos tisnados de sombras e luz; entidades sacerdotais carregando mantos com restos velados e enigmáticos; bonecas de louça pura, mortas na vitrine do tempo; árvores mais transcendentes do que a da perda do Éden; mãos devolvendo a pulsação do corpo, no êxtase da vida e defendendo-o das influências aziagas; bonecos alfinetados e fantasiados e o espaço aberto aos meninos vertiginosos no azul e n vermelho do fogo do amor. E ainda nos abandonando, sem explicação, no labirinto da medusa”. 

E conclui o crítico: “Diante de Gruber, grande sedutor, reconhecemos que, além do nosso mundo, conquistamos pelo seu fascínio, outro mundo, tão ou mais preocupante que o nosso”. 

DUAS MÃOS PODEROSAS 

Na atual situação cultural que atravessa o país, são poucos os artistas que apresentam uma obra com tanto vigor e complexidade como Mário Gruber. 

Na sua longa trajetória, Gruber sempre surpreendeu pela multiplicidade de abordagem e pela inovação no tratamento de certos problemas que são, no entanto, uma constante na sua obra – o homem, sua condição humana, seu relacionamento com seu trabalho criador, sua realidade e seu sonho transformador. Gruber foi, no correr destes anos, um dos artistas que mais se preocupou com a nossa realidade, e na sua abordagem, Mário soube desembaraçar-se do supérfluo e do anedótico. Sua percepção aguda revela coisas, fatos, sentimentos, situações que os observadores superficiais ignoram, mas que fazem parte do nosso tempo e coabitam com a nossa gente. 

Como conhecedor de sua ferramenta de trabalho Gruber evitou sobrepor os meios e os efeitos de sua pintura, embora luminosa e de qualidades excepcionais, aos seus propósitos artísticos e de inserção social. Sua obra não se detém com os compromissos consigo mesma, como se a arte conseguisse uma trajetória e uma dinâmica própria fora da vida dos homens. Ela não só deve ser real, parte e parcela da vida, mas também forma consciente e contraditória aos padrões alienantes e opressivos da vida. Portanto, Gruber, não se conforma apenas em descrever a realidade, nem se situa fora ou acima dela observando, julgando – ele se compromete, se comove, é participante. 

Na atual exposição, inaugurada na sede do Escritório de Arte Renato Magalhães Gouvêa, Gruber mostra 25 pinturas inquietantes, de solução plástica surpreendente, mas sobretudo, fortes. 

Suas “Meninas”, seus “Fantasiados”, “Mascarados”, emergem da sombra (inconsciência) situados num espaço muitas vezes fechado por travas e parafusos (limitações, coerções) para nos enfrentarem silenciosos (ainda não atuantes) ganhando uma impressionante luminosidade, caráter mágico, mas ao nível de uma consciência possível. 

Gruber trabalha seus personagens na complexidade dos problemas dos homens e suas limitações, que vivem uma realidade imposta, inconscientes e perdidos num tempo sem condições de escolher seu presente, mas também impregnados de magia, revelada com toda sua vitalidade na obra de Mário. 

Para o artista a magia não se opõe à realidade, é energia transformadora; libertando o homem de seu ciclo trágico e atuando no seu mundo de maneira a resgatar uma realidade que pertença de direito.

Nesta mostra há ainda dois quadros fortíssimos “Mão Grande” e “Mão Pequena”. A “Mão Grande” de monumental verticalidade, cresce de sua pulseira dourada, verdadeiro elo de relevos humanos, para se impor com seu brilho. 

A “Mão Pequena” não menos imponente e monumental é uma verdadeira ferramenta de madeira e pregos; na verdade são duas mãos poderosas que atuam concretamente transformando o mundo.

AUTENTICIDADE LATINO-AMERICANA 

Mário Gruber é indiscutivelmente uma das personalidades mais poderosamente singulares da pintura paulista e certamente das menos compreendidas. Mesmo para quem vem acompanhando há mais de vinte anos a sua obra, surgem sempre novos sentidos, sendo cada fase susceptível de novas reinterpretações à luz das seguintes. Essa multiplicidade de mensagens e de códigos da linguagem plástica e cromática de Gruber atesta a profundidade da sua criação, mas também tem dificultado para muitos a compreensão da sua obra, levando frequentemente a interpretações epidêmicas de um organismo pictórico complexo. 

Na pintura recente de Gruber aparem alguns elementos de fases anteriores, combinados com outros novos, sugerindo a criação de um alfabeto de imagens, ainda incompleto, emergindo do inconsciente individual e cósmico. Entre os temas novos avultam os do Espaço-Tempo, com uma ênfase na direção do futuro, e o de biogênese, assim como o das bonecas. Há também uma luminosidade alucinógena ou talvez mágica. 

O problema do Tempo esteve sempre no centro da vivência artística de Gruber com ênfase no sentido do passado, de um passado subsistindo no presente ou de um presente aprisionado pelo passado. Agora Gruber começa a vivenciar um futuro que parece descer espiralando sobre um aqui – agora, vindo das profundidades cósmicas. Para Gruber o sentimento do passado ou do presente-passado foi sempre impregnado de angústia, mas o do presente-futuro e o do futuro denota uma alegria nascente. 

Há alguns anos seria difícil compreender a autenticidade latino-americana de Gruber e do seu mundo fantástico de uma presente-passado carregado de angústia. Hoje se torna mais fácil ver que foi um pioneiro do realismo fantástico brasileiro, aparentado aos da Indo- América. Soube ver a realidade profunda do Brasil, e da América Latina, asfixiada por um colonialismo econômico e cultural. Foi também capaz de exprimi-la na sua arte, sem se deixar seduzir por influências das tendências dominantes na Europa e nos Estados Unidos. 

Os novos horizontes que vão apontando na fase atual de Gruber merecem uma grande atenção como premonições importantes de um futuro que vem chegando.

Folha de São Paulo, Domingo, 29 de agosto de 1976. 

GRUBER, UMA NOVA INDIVIDUAL 

Mário Gruber, um dos nomes firmados da gravura brasileira, expôs litografias e gravuras em metal na Arcádia, em São Paulo, com aceitação total, pois toda a produção foi adquirida. O artista, que tem na reclusão uma de suas características – embora seja participante de movimentos e emérito debatedor intelectual – há tempos não fazia uma individual. Atualmente tem ateliê de gravura nas Perdizes (Rua Cotoxó) e de pintura no Jardim Europa (Rua Iguatemi). Toda sua produção atual é de alto nível.. 

Caberá ao Escritório Renato Magalhães Gouvea realizar uma individual de pinturas de Mário Gruber, com óleos pintados este ano. Logo depois o artista retornará a Paris, onde, a partir desse semestre, passará seis meses por ano. Na capital francesa, e em outros centros da Europa, a obra de Gruber desperta interesse dos críticos e marchands. Seu ateliê em Paris, também movimentado como os de São Paulo, fica na Etoille, na Avenida Vagram. A edição da obra gravada de Gruber é mais propícia na Europa do que em nosso país. 

Quanto à sua atividade de gravador Gruber dedica-se à gravura em metal, da qual é mestre inconteste. Aprofunda ainda seu trabalho na direção do realismo, que sempre foi sua vertente principal, desde que iniciou sua atividade artística, recém-chegado de Santos, há dezenas de anos. 

 Com a viagem de Gruber a Paris, o seu ateliê de gravura, daqui, um dois mais completos e que já foi de interesse de instituições culturais, será encerrado. Ali, todo o seu investimento em maquinaria moderna tornou-o, na opinião dos entendidos, um dos mais bem equipados do mundo. Nesse ateliê têm gravado, quando se encontram no Brasil, artistas famosos como Hamaguchi, Yainaga e outros. O acervo artístico de Gruber compreende hoje cerca de 180 matrizes, todas catalogadas e cadastradas, formando um conjunto de raro equilíbrio, comparável, em termos de qualidade de gravura (e não em participação nos fundamentos da gravura brasileira) aos nomes maiores e consagrados de Carlos Oswald, Goeldi, Lívio Abramo e Grassmann. 

Conforme afirma Mario Schemberg “Gruber é indiscutivelmente uma das personalidades mais poderosamente singulares da pintura paulista, e certamente das menos compreendidas, mesmo para quem vem acompanhando há mais de vinte anos a sua obra, surgem sempre novos sentidos, sendo cada fase susceptível de novas reinterpretações à luz das seguintes. Essa multiplicidade da linguagem plástica e cósmica de Gruber atesta a profundidade sua criação, mas também tem dificultado para muitos a compreensão de sua obra, levando frequentemente a interpretações epidêmicas de um organismo pictórico complexo”. 

Segundo Schemberg, o problema do Tempo esteve sempre no centro da vivência artística de Gruber com uma ênfase num passado que subsiste em sua pintura recente combinando elemento de fases anteriores com outros novos, “sugerindo a criação de um alfabeto de imagens, ainda incompleto, emergindo do inconsciente individual e cósmico”. “Agora Gruber começa a vivenciar um futuro que parece descer espiralando sobre um aqui - agora – vindo das profundidades cósmicas. Para Gruber o sentimento do passado ou do presente-passado foi sempre impregnado de angústia, mas o do presente-futuro e do futuro denota uma alegria crescente”. 

Folha de São Paulo, 29 de fevereiro/8 de setembro de 1976.

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