terça-feira, 6 de janeiro de 2015

A IDEIA DE BIENAL

“A idéia foi muito trabalhada, até vingar... Estávamos em conflito com o meio,que se opunha ao espírito de vanguarda da Bienal... Mas consegui sensibiliza “Ciccillo”, e juntos, fomos aliados num mesmo ideal... A Bienal didática, de vanguarda, cada ano em ruptura com a anterior... Esse isso não ocorreu, até hoje, não por vontade de “Ciccillo”, ou minha, ou de outros idealizadores...” 

Danilo di Pre
Danilo di Petre, depoimento à Maria da Paz Albuquerque, do Centro de Documentação “Francisco Matarazzo Sobrinho”, e Norberto Nicola, 1977. 

 Está fazendo 30 anos que a idéia da criação da Bienal dói levada, e encampada, por Francisco Matarazzo Sobrinho, que já criara, com outros companheiros, o Museu de Arte Moderna de São Paulo. O MAM tinha sede – vide Memória I – no prédio dos Diários Associados, e foi ali, em seu barzinho, que muitas vezes 

Danilo di Prete procurava apoio para uma “exposição brasileira”, que congregasse periodicamente os maiores artistas do país, e que, ao final, virou a, desde início, badalada e controvertida, Bienal de São Paulo, a maior mostra, até hoje, bi-anual, de artes do Ocidente. Di Prete (Pisa, Itália, 1911), era artista, cartazista, e decorador-projetista em sua terra natal, mas, veio para o Brasil em 1946, cansado da guerra, que enfrentou nos campos de batalha da Europa Central. Aqui trabalhou como ilustrador, cartazista, publicitário e pintor “de liso”, fazendo também uma frustrada exposição de 30 óleos na primeira galeria de arte moderna da Capital, a Domus, de Pascoale Fioca. 


Saindo da Standard Propaganda, no final de cada tarde, di Prete procurava arte para ver, mas não encontrava, e uma noite viu um salão moderno, que achou “uma cosa horrorosa”. Soube, em conversas, que os grandes da época – Di, Segall, Portinari e outros – não expunham nesses salões. Idealizou então uma “brasiliana nacional de arte”, para Abrigar esses artistas maiores de forma periódica, gerando um movimento nas artes em que novos valores também surgissem entre nós.

Expôs a idéia a Rossi Ozir, companheiro de aperitivos no barzinho do MAM, e este o levou a conhecer “Ciccillo” Matarazzo, uma noite, em jantar festivo numa residência do Jardim América. Ao final da recepção, Matarazzo ouviu atentamente di prete, e achou a idéia interessante, tanto que pediu ao artista italiano que passasse no dia seguinte na Metalúrgica Matarazzo para expô-la “ao seu advogado”. Di Prete foi à Metalúrgica e o advogado era o intelectual Carlos Alves Pinto, que ouviu a longa algaravia do artista com “extraordinária e religiosa atenção”. Di Prete propunha, além da criação da Bienal, também uma mostra internacional de cartazes publicitários. No mesmo dia, havia uma reunião da Diretoria do MAM, na 7 de Abril, e “Ciccillo” levou Di Prete e Carlos Alves Pinto até lá. O diretor do MAM, Lourival Gomes Machado, a pedido de Matarazzo, ouviu toda a exposição de Di Prete, e ao final disse: “Sou contra a realização dessa mostra internacional de Arete em São Paulo. A mentalidade brasileira não é uma mentalidade de uma Europa”. “

Lacerda, Ciccilo, Neco e Luiz Ernesto na terraplanagem da futura BIENAL

Ciccillo”, contudo, sensível à idéia, encomendou um plano, por escrito, ao artista. Di Prete foi para casa, e durante umas três semanas, reuniu amplo material, colhendo dados dos regulamentos da Bienal de Veneza, do Prêmio Golfo de La Spezia, da Quadrienal de Roma e do Prêmio Cremona. “Ciccillo” gostou do texto de Di Prete, que estava redigido em italiano, em 5 ou 6 laudas, e pediu a Pinto Alves a versão do regulamento para o português. 

Di Prete ficou à espera duma solução, ansioso, e nada... passavam-se uns meses, ninguém falava nada. Entretempo, em 1949, Bardi, que já dirigia o Museu de Arte, decidiu realizar uma mostra de cartazes internacionais de propaganda, e pede a Di Prete um cartaz de apresentação. Di Prete faz\ gratuitamente a peça – primeiro cartaz abstrato no Brasil, e, depois exposto em Nova York, como um dos melhores cartazes do mundo até 1950 – e colaborou ainda na montagem da exposição. Um noite, ao descer do elevador dos Diários, na Sete de Abril, onde também se sediava o MASP, e encontra no saguão “Ciccillo”, Sergio Milliet e Lourival, que vinham do MAM. Este último, ao ver Di Prete, e referindo-se à mostra de cartazes do Museu de Arte,não se conteve e disse: “Você é um traidor!” “Per que?” pergunta o artista. “Você fez os regulamentos da Bienal de Artes e da mostra de cartazes e já deu a idéia para o Bardi”... Di Prete contesta: fiz o plano da Bienal, sim, há um ano e meio, e a idéia, parece, está esquecida... Quanto À mostra de propaganda, foi da exclusiva iniciativa do Bardi e dos publicitários de São Paulo, que nada tinham a ver com ela, apenas perpetrar um cartaz a convite e trabalhara na montagem “como um operário qualquer”, graciosamente. Di Prete se retira amofinado e resolve esquecer tudo. 

 No barzinho do MAM, que continuava freqüentando, conheceu 2 conterrâneos, Biággio Motta, administrador do Museu, e Arturo Profilli, correspondente de imprensa e propagandista. Profilli insiste para que Di Prete leve adiante a idéia da Bienal, junto a “Ciccillo”, mas este, escaldado, está receoso. Um dia, contudo, todos se encontraram, por mera coincidência, no elevador dos Diários: “Ciccillo”, Di Prete, Biággio e Profilli. Este puxa o paletó de Di Prete, num “agora ou nunca”, e Di Prete arma a mentira em grande estilo: 

“Sr. Matarazzo, me disseram que o Bardi vai fazer a Bienal de artes... não sei bem, não. Matarazzo fica carrancudo, nada fala, sai pensativo do elevador, caminha até seu carro, na 7 de Abril. A porta do automóvel está aberta. “Ciccillo” se recosta a ela, coloca o cotovelo sobre a porta, apóia a cabeça na mão, está quieto alguns minutos, e, à sua roda, em cena chapliniana, aflitos, aguardam Di Prete, Biággio e Profilli. Súbito, Matarazzo os encara, fixa Biággio e diz textualmente: 

“Motta, quero ver em todos os jornais amanhã que – o Museu de Arete Moderna lança a Bienal de São Paulo!”. Entra no carro e se vai. “Ciccillo” falou e disse... Eram umas 8 horas da noite, os 3 mosqueteiros voltam ao MAM, ocupam a secretaria, pegam as listas de jornais e passam a telefonar aos jornalistas passando a gloriosa notícia! No dia seguinte, a nota, embora pequena, lá está, em jornais de S. Paulo e Rio. Di Prete, a pedido de “Ciccillo”, arranja os dois primeiros prêmios em dinheiro para a Bienal: de Ramenzoni (cr$ 30 mil) e de Lanzara (cr$ 50 mil). Os preparativos empolgam. Yolanda Penteado Matarazzo vai a Europa, contratar artistas e museus. Finalmente, em outubro de 1951 é inaugurada no Trianon, a 1ª Bienal de São Paulo, presentes artistas nacionais e de 22 países estrangeiros. Di Prete, mais que todos, está feliz, e, mais, vitorioso, pois é seu 1º Prêmio de Pintura Nacional (ganharia também o mesmo Prêmio, em 1965, o 2º Prêmio em 1957, e o Grande Prêmio União de Banco em 197l, sempre na Bienal de São Paulo). Ele mantém com “Ciccillo” um relacionamento íntimo, embora respeitoso, até a morte de Matarazzo Sobrinho, a quem chama de “Almirante”, afetuosamente. 

-“Ciccillo”, embora não conhecesse profundamente arte, comandava tudo realmente, era um idealista, bom e irascível, grande e extraordinário. Yolanda foi a diplomata incansável da 1ª Bienal, e os outros cérebros foram: Carlos Alves Pinto, o “grande inspirador” de Matarazzo, Lourival Gomes Machado desde quando aderiu à idéia da Bienal, e o “manager” Arturo Profilli. “Não devemos esquecer o trabalho incansável nosso, os montadores da 1ª Bienal, entre os quais figuram Aldemir Martins, Marcelo Grassmann, Frans Krajberg e, com muito orgulho, também eu gapito?” E o irrequieto Danilo Di Prete, hoje artista abstrato e cinético de fama internacional, paternidade de Juliana e Sumbria, avô de 4 netas, de fala aberta e toscana, abre a casa do Jardim Europa, monta na velha bicicleta, e vai espairecer um pouco das lembranças das bienais, e do “Almirante”, no fim da tarde paulistana. 


 – Luiz Ernesto Kawall - Folha de São Paulo – 3/6/79. 


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