quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

WALTER LEWY

W. Lewy (1905-1995)
W. Lewy, botânico e cósmico, surrealista e obsessivo 

Comecei pintando influenciado pelo grupo alemão do realismo mágico, pelo realismo fantástico de minha terra, que nada tem a ver com a minha obra atual... Em 1939 comecei minha fase surrealista, a que permaneço fiel e imutável até hoje... Sempre gostei do fantástico e há muitas décadas leio quase que exclusivamente “Science fiction”, cuja temática de mundos interplanetários e seres imaginários evidentemente influenciam minha obra... Não sego que tenha recebido, nos inícios da minha carreira, influências de Dali, mas hoje, detesto-o, não o considero um bom pintor... O que pinto não se situa cá na Terra, mas no mundo dos novos planetas, deserto de homens, imaginário e cósmico... Considero-me um artista surrealista, no sentido estrito do termo, e abomino classificações como pintor “fantástico”, “mágico” ou da “nova figuração”. 

Pequeno, saudável, educado, paciente, ágil em seus sessenta e sete anos, cabelos longos sobre os ombros, óculos de grossas lentes, Walter Lewy está em seu ateliê, entre suas telas imaginárias de mundos silenciosos, junto à sua biblioteca de milhares de livros – exclusivamente ficção científica e botânica. Sempre gostou de plantas – suculentas e eufórbias. Sua coleção dessa espécie. Sua coleção dessa espécie rara, equivalente aos cactos da África, é talvez a maior e mais especializada do país. 

Composição surreal
Explorei-as bastante em minhas telas numa fase do meu surrealismo, já as comerciei, hoje, porém, cultivo-as exclusivamente por prazer, diz Lewy, tomando um cafezinho, preparado aparatosamente por Dirce, sua mulher. Ele não toma uísque. Nem cerveja, nem chope. É um alemão sem caneca, brinca o fotógrafo Jarbas Marcondes. 

Às vezes e raramente bebe um “Pernod”. Dirce não esconde os belos traços de ex-modelo – brinca e provoca permanentemente “o meu alemão Walter Lewy”. Chegam do colégio estadual os dois filhos, Evelyn e Leslie. São morenos e simpáticos. Geraldo de 10 anos, filho adotivo, sob e desce as escadas, e uma espécie de secretário geral da casa do pintor. 

– Minha pintura atual continua com figuras, paisagens, minerais, pedras, planetas no espaço, sempre dentro do surrealismo... Sou considerado figurativo, mas não me enquadro na chamada nova figuração. Esta seria a retomada da pintura com expressão abstrata, cubista, etc., enquanto a pintura surrealista tem uma evolução constante e eu me considero dentro dessa pesquisa permanente e dessa evolução... Sou um teimoso que ainda acredita em tela, pincel e tinta... Acho o surrealismo uma das poucas escolas que realmente possibilitam uma verdadeira comunicação entre o pintor e o público.

Natureza morta com lagarto (1983)

Lewy levanta-se cedo, por volta das 6 horas. Toma um ralo café, não lê jornal. Começa a trabalhar cedo. Se ninguém o interrompe vai pintando até a hora do almoço. O ateliê fica no terceiro pavimento da casa, estrategicamente situada num lance alto do Morumbi, com excelente vista para os Jardins e Santo Amaro, adiante da Marginal. A luz entra forte pela janela, Lewy só pinta sob a luz do dia. Almoçou sobriamente dom Dirce e os filhos – ele e ela comem pouco. De quando em quando, num domingo, prepara ele próprio um prato preferido – repolho roxo, com vinho, açúcar e maçã. À tarde, volta logo ao trabalho, segue firme até às 6/7 horas. Nas segundas e terças, passa o dia numa escola de arte, tem mais de 100 alunos. Mas vai deixar o ensino da pintura, para dedicar-se exclusivamente à sua própria arte. Se vai à cidade é para pagar uma conta, essas coisas do cotidiano. Gosta de pintar tranquilamente, escutando rádio e pressentido os ventos, lá fora, do Morumbi, vendo passar o trem da Sorocabana, os gigantescos aviões que pousam em Congonhas.

Composição surreal

- Não tenho contrato com galerias, vendo minhas telas particularmente e, felizmente, tenho fregueses certos – entre outros, Adolfo Buck, Bernard Goldfard, Hermínio Lunardelli, que agora me encomendou um retrato... Os retratos que faço, produto fixar fielmente cada rosto e, depois, aí é que é o problema. Faço uma composição surrealista em cada obra, mas é estimulante encontrar soluções adequadas a cada caso... Quando pinto, faço um esboço de cada tela, antes, num caderno e, depois, passo os temas às telas de pano de algodão, que também prefiro preparar cuidadosamente... Uso tintas nacionais, da mesma marca, há 30 anos, e pincéis e espátulas também nossas... Por sorte tenho uma disciplina formidável no trabalho. 
Composição com linhas (1954)
À noite, deita-se pelas 11 horas, após absorver estórias de ficção, preferindo americanas ou inglesas, coisas fantásticas, assuntos da vida futura, o homem interplanetário. Música clássica, escuta sempre Mozart e Haydn e, moderna, prefere Stravinsky, Prokofieff e Carl Orff. Dorme tranquilamente, não tem visões em sonhos ou qualquer inspiração onírica. Diz que sua pintura vem exclusivamente da imaginação consciente, dirigida, treinada, adquirida, disciplinada da tarimba de criar. 

– A arte atual? A aventura toma conta de tudo, não se pode avaliar o valor real dos moços, dos novos movimentos... Sou contra os leilões e não tenho quadros em galerias. Tudo está dominado pelo comércio... Prefiro ficar de fora. Umas telas minhas que figuraram nos últimos leilões, foram decerto entregues por outras pessoas, não por mim... Os jovens estão influenciados pela onda “pop” e pelo gigantismo estéril das bienais, que, a meu ver, deturpam a pintura brasileira... Só se pode avaliar hoje os valores mais antigos, dos quais, acho, que o mais autenticamente brasileiro, continua a ser Teruz, que foi inclusive, o inspirador maior de Portinari... A gravura, tem algumas coisas excelentes. Destaco Otávio Araújo, Babinski, Mário Gruber, para não citar outros; no desenho, vários bons, sem citar nomes; o movimento primitivista progride; e essas novas tentativas, arte cinética e arteônica, não me tocam, são absolutamente dominadas pela técnica... A arte, sem criação da sensibilidade, sem o domínio exílio do metiê, pelo artista, a arte dominada pela máquina, não é arte. 

Sem título (1976)

Lewy volta a falar de seu surrealismo, das fases, dentro dessa tendência, que já passou: elétrica, das catedrais, vegetal, erótica, dos planetas cúbicos, a cósmica atual; mostra pelas paredes, telas e fases, mas não tem nenhum quadro anterior a 1958. Tudo foi vendido, na “dura” luta pela sobrevivência, sempre fiel a si mesmo. A casa, comprado do pintor Heinz Kuehne, é espaçosa e confortável, e decorada com móveis antigos, gamelas, santos de igrejas, polões, oratórios, tapetes de Regina Graz, cerâmica de Tatin, máscara de Guma, ex-votos da Ilha da Páscoa, esculturas de Sakai e Wlavianos, telas de Wesley Duke Lee, Fang, Doroty Bastos, Gilson Barbosa, Geraldo Rocha, todos eles, amigos de Dirce e Lewy. Ela agora interrompe, é preciso comprar uma agulha torta no Brooklin, para o remendo do sofá forrado de novo. Lewy vai sair de carro com a mulher, cordado. Ela brinca: esse Walter Lewy é formidável, dizem que como pintor é melhor ainda... 

Ele já está à soleira da porta rústica, sai dizendo que o futuro não o preocupa, o surrealismo ainda é um vasto campo a atacar. 

 – Quero continuar fiel à minha arte, uma arte consciente e de vanguarda. Faz a curva com o carro, desce uma rampa, mais adiante está à vista a casa de um grande amigo, o pintor Rebolo. 9/4/72.

Mulheres e luz (1973)

Um monstruoso mundo de solidão 
Para muitos surrealistas, é o caso de Walter Lewy, não se trata de contar os sonhos, mas de vaticinar realidades possíveis, cada vez mais próximas do homem, na sua tremenda aventura cósmica. É claro que a capacidade construtiva de alucinar-se, ao compor os mundos que escapam à nossa noção de realidade, é ilimitada num artista como ele... A sobriedade caracteriza o surrealismo de Walter Lewy. Pensa-se na incompatibilidade entre surrealismo e sobriedade; no entanto, o despojamento do insistente processo de metamorfose de seus quadros, naquela estratosfera silenciosa e fria, prova o contrário... A restauração de uma velha idéia do corpo, na imaginação do artista, é colocada marmoreamente na realidade do novo planeta, deserto de homens, no entanto palpitante de sua pré-história. Com espátula, pincel e pincel seco, estas naturezas vazias de sangue vão forjando matéria nebulosa, rarefeita e transpassada pelo esforço da projeção – como se o mundo sonhado por Walter Lewy, sem luxo nenhum, fosse a inevitável perspectiva de uma desumanização perigosa... Um monstruoso mundo de solidão, a partir das nossas próprias aparências. WALMIR AYALA – “Jornal do Brasil”.

Paisagem surreal

Walter Lewy é um dos artistas mais conscientes de sua arte... Os que não querem admitir que tenha havido uma arte de nosso tempo, com características próprias, história, teoria, prática e crítica, encontrarão no surrealismo de Walter Lewy, sem discussão possível, esse aspecto transformador da realidade, que essa corrente trouxe á tona. E estamos diante de um capítulo aberto do surrealismo... Walter Lewy é desses artistas que colheram a flor da aventura... A convicção com que persegue há tanto a composição surrealista chegou ao seu objetivo. Hoje, ele é um representante dessa tendência, o mais autorizado que possuímos o único que podemos emparelhar a um Tangui, a Miró... Lewy chegou a um complemento, a uma plenitude. Sua luta solitária e persistente durou muito tempo. Se ele não tivesse essa impressionante contextura de artista que tem, essa vontade de realizar-se, há muito teria desistido. GERALDO FERRAZ – “A Tribuna”.

Composição surreal - 1976

 As artes queiram ou não, acompanham sempre de perto a evolução cultural e econômica de um país e ninguém entre nós duvida que, hoje em, dia, o Brasil está surpreendendo o mundo pela sua imposição cada vez mais insistente como potência mundial. As manifestações artísticas brasileira, depois de consagradas pelas bienais de São Paulo e participação cada vez mais numerosa de artistas nacionais no exterior, estão também se impondo com vigor cada vez mais evidente. Entre as diversas manifestações plásticas, o surrealismo ocupa um lugar todo especial pela possibilidade de aceitação internacional que possui e, Walter Lewy, seu expoente máximo, é quem pode com garantias de pleno êxito, impor-se no âmbito artístico do mundo todo. O surrealismo, segundo a própria definição de seu criador, André Breton, é a expressão do funcionamento real do pensamento. E não há nada mais duradouro, desde que haja humanidade, do que o próprio pensamento. A sua mobilidade e capacidade de evasão, o fantástico e o sobrenatural, não diretamente captado pela atividade fiscalizadora da razão, é que pode encontrar plena representação entre os grandes surrealistas como Yves Tangui, René Magritte, Max Ernest e Walter Lewy. Não é sem razão que Walter Lewy foi convidado a representar o Brasil na VIII Bienal de São Paulo na parte de Surrealismo e Arte Fantástica e teve, na X Bienal, sala especial de “Surrealismo e Arte Fantástica no Brasil”. Há exatamente 35 anos que Walter Lewy está no Brasil. Sua obra sempre foi brilhante, sempre se impôs pela consistência de sua temática e pelo trabalho altamente imaginativo e criativo de seu autor. A técnica sempre perfeita, em todas as suas variações, deixava sempre o público embevecido, assim como aconteceu há pouco tempo no Paço das Artes e como certamente acontecerá agora nesta presente exposição. Em 1946, o saudoso Sérgio Milliet já dizia: Em Walter Lewy cada parte pessoal exterioriza-se menos na intenção simbólica do que na necessidade de expressar uma “música interior”. Esta “música” sempre presente na obra de Walter Lewy, pressentindo em graus variados por todos aqueles que vêem seus trabalhos, consiste em uma melodia ora suave, ora lasciva ou então volumosa e possante, representando sempre o momento estático de uma concepção fantástica que nos arrasta para um mundo cósmico de beleza e de paz, longe dos problemas e das contendas da vida diária. A vitalidade de que é impregnada toda a obra de Walter Lewy, aquela energia misteriosa que nos faz parar diante de seus quadros é o fruto direto do labor constante de um dos grandes esteios da pintura nacional. Esta exposição de Walter Lewy é mais um convite para contemplarmos as potencialidades de um mundo de realidades que somente nossos sonhos mais altivos, inquisidores e, por isso mesmo, não menos dinâmicos, conseguem abranger em sua totalidade. – JOS LUYTEN – Catálogo “Portal”, 7/1972.

WALTER LEWY, Odesloe, Alemanha, 1905. Pintor surrealista. Frequentou a Escola de Artes e Ofícios de Dortmund, formando-se em 1927. Um banco de Bad Lippspringe expôs, pela primeira vez, os trabalhos do jovem estudante de artes gráficas e pintura. Desenhista, artista publicitário e pintor, expos até 1932, quando a Câmara de Arte da Alemanha, dominada pelo nazismo, proibiu a participação dos judeus na vida artística alemã. Imigrou para o Brasil em 1937, deixando na Alemanha centenas de trabalhos, enviados depois para Rotterdam, onde se perderam, por ocasião de um bombardeio. Em São Paulo integra-se ao movimento modernista da pintura brasileira. Expos pela primeira vez em 1949, na Feira de Arte Moderna, de Quirino da Silva. Sua primeira individual foi no ateliê de Clóvis Graciano, em 1944. Diz a nota biográfica de “Artes nos Séculos” (Abril cultural, fascículo nº 38, supervisor prof. P. M. Bardi), que, desde o início, suas obras foram surrealistas, denotando a influência direta de Yves Tanguy, através das imagens de um mundo fantástico, povoado por paisagens melancólicas. É, porém, a partir de 1947 que adquire “uma concepção própria dentro do surrealismo, talvez devido ao contato com obras barrocas de Ouro Preto. Desde essa época dedica-se cada vez mais às paisagens, cujas formas fantásticas configuram curvas e meandros. Às vezes representa figuras humanas, dotando-as de grande expressividade através de estilização quase total. Nessa linha prossegue até hoje, criando obras consagradas através de inúmeras exposições”. Em São Paulo, participou das I, II, III, VI, VII e X Bienais e recebeu em 1965, o primeiro prêmio do Salão Paulista de Arte Moderna. Um grande êxito coroa suas mostras individuais, tanto em São Paulo, como no Rio, em Santos e Belo Horizonte. Seu renome estende-se ao Exterior, através de exposições realizadas em Tóquio, Paris, Chile e Estados Unidos. Desiste então de sua firma de paisagismo e deixa, de vez, a arte publicitária. Torna-se professor duma escola de arte (mais de 100 anos). Trilhando sempre o caminho da vanguarda, dedica-se obsessivamente à arte surrealista e ultimamente faz também retratos. Casado desde 1956 com a pintora primitiva e ex-modelo do Museu de Arte e de Di Cavalcanti, Dirce Pires. Dois filhos: Evelin (14 anos) e Leslie (12 anos). Mora no Real Parque Morumbi.

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