segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

O MAM NÃO FECHA


O Museu de Arte Moderna de São Paulo está em crise financeira, mas, não será fechado, garante seu presidente Flávio Pinho de Almeida. A cultura brasileira não permitiria que o MAM paulista fechasse as portas – pelo seu passado, pela sua formação, pela sua história, pelo seu acervo, pela sua representatividade, pelas exposições, pelas retrospectivas, panoramas e trienais que promove e realiza. São Paulo pegaria em armas, isto é, em alguns milhares de cruzeiros, se a ameaça se concretizasse seriamente – e o MAM está salvo. 

Mas nem Flávio Pinho, nem muitos associados, como tanta gente que se preocupa com o destino do MAM, sabe que o Museu de Arte Moderna foi formado em 1947, por um grupo e pioneiros idealistas, contando com o apoio decidido de Nelson Rockfeller e Francisco Matarazzo Sobrinho, o “Ciccillo”. 

Francisco Luis Almeida Sales, em desses idealistas, depõe agora, pela primeira vez, sobre a formação histórica do MAM – ele toma guaraná imitando uísque, no barzinho novo, e pontifica em meio a roda certa e fraterna: 

-“Nos meados de 1947, “Ciccillo”, recém casado, viajou em lua-de-mel com Yolanda Penteado, para a Europa.. Estava precisamente em Roma, e, antes de viajar, tinha-nos dito que desejava abrir em São Paulo uma galeria de arte moderna... Não tínhamos, então, nenhuma nesta cidade, e as mostras de arte eram realizadas em livrarias que cediam eventual espaço. Chega a São Paulo Nelson Rockfeller, falando em fundar aqui um museu de arte-moderna, congênere do MAM de Nova York. Pusemo-nos a campo, e uma reunião foi realizada na Biblioteca Municipal, presentes Nelson e os interessados – intelectuais, jornalistas, críticos, artistas e empresários. Rockfeller exibiu obras que trouxera dos Estados Unidos e doava, naquele instante, ao futuro Museu de Arte Moderna paulista. Eram obras importantes, que se constituíam, desde logo, no núcleo fundador do primeiro acervo do Museu: 1 Picasso, 1 Chagall, 1 Braque, 1 Leger, entre várias outras obras famosas. 

-“Nessa reunião, toda ela realizada em ambiente de entusiasmo, aprovou-se a idéia de se formar uma comissão organizadora do nosso MAM, que acabou assim constituída: Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade Filho, Paulo Mendes de Almeida, Sérgio Milliet e Francisco Luis de Almeida Sales. Rockfeller, que falava espanhol, deu as explicações necessárias, e enfileirou no palco, os quadros que nos oferecia, o que nos deixava embasbacados... Coube a mim elaborar os estatutos do MAM de São Paulo,e, enquanto os redigia, dias depois, chega “Ciccillo” de volta da Europa, onde fizera contatos importantes. Houve então, imediatamente, a fusão entre a idéia de fundar uma moderna galeria de arte, e a criação do Museu de Arte Moderna, que já acontecia na realidade. Em conseqüência disso, nasceu o Museu de Arte Moderna, com “Ciccillo”, presidente da primeira diretoria, que se reunia, inicialmente, na sala da Metalúrgica Matarazzo, no Brás. “Ciccillo” criara, para sustentar o nível da organização, em seus primeiros passos, a Fundação Andréa Matarazzo, em homenagem a seu pai, irmão do poderoso conde Matarazzo. 

-“Logo, então, conseguimos uma sede provisória, no prédio dos Diários Associados, na Rua Sete de Abril, 230, 3º andar. Entrávamos pelos elevadores dos fundos, e o MAM possuía um mezanino, e, também, um bar – que foi sempre uma tradição inseparável do Museu – dirigido pelo Jimmy, um inglês de renome internacional, e em seguida pelo Artur, caipira-mineiro de Ariuoca, terra de Dantas Motta... O Museu de Arte de São Paulo, o do Chateaubriant e do Bardi, foi fundado simultaneamente, não sendo pois exato que, no tempo, um tenha sido fundado antes do outro. São, sim, irmãos em época de fundação, local inicial de instalação e até nas finalidades, e só mais tarde, com o correr dos anos, cada um adquiriu características, público, local, funcionamento e atividades próprias. 

-“A primeira exposição do nosso MAM foi de pintura abstrata internacional, organizada pelo belga Leon Degand, nosso primeiro Diretor, contratado por “Ciccillo” em Paris. O Museu de Arte Moderna de São Paulo começava, assim, sua marcha ascensional dentro da cultura brasileira e os episódios que vieram depois, a partir de 1961, com a doação de seu acervo por Yolanda e Matarazzo à Universidade de São Paulo, gerando a formação de um novo museu – o Museu de Arte Contemporânea/USP – abalaram, Mas não fizeram com que o MAM morresse. Criamos uma sociedade civil, comandada por Oscar Pedroso Horta e com a ajuda inestimável de seu irmão Pedroso d’Horta, e funcionávamos provisoriamente no edifício Itália, na esquina da Ipiranga com a São Luís, e, depois, no Conjunto Nacional da avenida Paulista. Em 1969, viemos para o Ibirapuera, sob uma das marquises, área doada para o MAM, pelo prefeito Faria Lima. O projeto atual do Museu é do arquiteto Giancarlo Palante, e o bar, foi desenhado por sois especialistas, como os saudosos Luis Coelho e Joaquim Bento Alves de Lima. 

-“Essa é, assim, um pouco – devendo ser enriquecida por outros depoimentos – da história verdadeira da formação do Museu de Arte Moderna de São Paulo, museu que não vai fechar, não, não fechará nunca, não, pois arte e a cultura brasileiras jamais poderiam sofrer tal vexame. Confiamos no atual presidente Flávio Pinho de Almeida, que, temos certeza, ganhará a batalha da conservação do Museu”. 

Folha de São Paulo, 6 de maio de 1979.

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