quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

MOACIR ANDRADE

Pintor telúrico e diluviano da Amazônia 


– Sempre pintei temas amazônicos... Sinto-os intensamente... É para mim imperiosa necessidade fixa-los, interpretá-los, num registro cotidiano que me fascina... Pinto constantemente, pintar é a profissão em que me realizo... A minha arte sempre me dominou... E é através dela que procuro expressar o meu universo e atingir a universalidade que é uma maneira de tornar compreensível por todos o que tem aparentes limitações locais... As cores, os temas, as formas que crio, são a minha mensagem de artista, que vê no seu semelhante o seu irmão homem... Eu me sinto plenamente integrado ao mundo amazônico, tão rico em colorido, sol, águas e lendas. 

Quem fala assim é um caboclo legítimo, conhecido em todo o Brasil e vários continentes como autor de uma obra pictórica vigorosa, extraindo da paisagem, da vida, das tradições, das lendas, dos costumes, do riquíssimo folclore da Amazônia, a inspiração maior da sua arte – Moacir Andrade. Irrequieto, falante, bem-humorado, queimado do tórrido sol do Inferno Verde, cabelos esvoaçantes, está sentado numa cadeira de balanço, em seu ateliê, uma construção nos fundos de sua casa, Rua Alexandre Amorim, junto da Igreja, Manaus. Ali, entre as tralhas que traz de suas andanças pelo interior do Estado, suas telas antigas e novas, santos de madeira, peças iconográficas e folclóricas, Moacir tem recebido gente importante que aporta a Manaus, conduzida pelo turismo local à casa “do maior pintor da Amazônia”: Jean Paul Sarte, Jean Paul Belmondo, Margor Fonteyn, Gilberto Freyre, Ferreira de Castro, Carlos Lacerda, Raquel de Queiroz, Manuel Bandeira, P. M. Bardi, Manabu Mabe, Flávio de Carvalho, Jorge Amado, muitos outros. Enxuto em seus 45 anos, ele vai contando despreocupadamente, olhado pela janela o seu ameno e arborizado jardim, onde cultiva cuidadosamente as plantas típicas da flora amazonense. 


– Sou filho de pai pernambucano e índia cabocla amazonense e passei minha infância à beira do Solimões, pescando e olhando os “reboques” passarem, ouvindo estórias de bicho-de-fundo, do encantado, da cobra-grande, botos, tucunarés, traíras... Em Manaus cursei o primário e o secundário, e acompanhava meu pai como empreiteiro de obras... Já nessa época gostava de desenhar e pintar. Fazia em Nova Esperança bonequinhos de barro, brinquedos, desenhava na areia casas de caboclos, galinhas, peixes... Sempre gostei de peixes, e acontece também que sou de março, signo de Peixes... Em 1954 fui para o Rio, vivi na Lapa, peguei ainda uns restos da boemia romântica da Lapa, passei fome, lavava roupa para estudar e, afinal, tirei o curso de museologia do Museu Histórico Nacional... Voltei a Manaus, mas como museólogo não fiz nada... Atirei-me aos projetos de construção de casas, tornei-me uma espécie de empreiteiro e construto. Acho que fiz umas 5 mil construções aqui até hoje... E sempre continuei desenhando e pintando. 


Conta que já em 1955 vendeu alguns quadros, e o grande pulo ocorreu quando conheceu Adalberto Ferreira do Vale, o “Pororoca”, que então construía o Hotel Amazonas em Manaus. O empresário da terra, radicado em São Paulo, foi seu maior impulsionador e Mecenas, propagando sua arte e comprando seus quadros, que dava aos amigos em São Paulo, Rio e Brasília, com sua prodigalidade famosa e saudosa. Foi o “Pororoca” quem levou Moacir Andrade a expor no Brasília Palace Hotel e no Palácio Alvorada, em Brasília, nos inícios da capital federal, quando Juscelino Kubistchek se encantou com sua arte feérica e telúrica... Moacir vendeu 30 telas, num só dia, a JK, ministros, embaixadores, gente importante, “e tudo aí para a frente mudou em minha vida”, diz Moacir. – Fui para São Paulo, passei 4 meses em contato com artistas, expus no Museu de Arte, com o incentivo do professor Bardi. Voltei à minha terra, já reconhecido como artista, onde expus na Biblioteca Pública, e até os governadores, uns após outros, passaram a me apoiar, de Artur César Ferreira Reis a Danilo Aerosa... Fundei o Curso de Pintura do Museu do Estado, onde leciono, o Museu de Arte Iconográfica, a Escolinha de Arte da Prefeitura, a Pinacoteca Pública, vários museus do Estado. Passei a estudar nosso folclore, nossas tradições e, claro, a pintar sempre... 

– Vive exclusivamente da sua arte? 

– Sim, já há algum tempo deixei as construções e uma empresa da qual era diretor administrativo... Pinto um, dois ou três quadros por mês, que vendo a 2, 3 mil cruzeiros cada, os menores... Os maiores custam uns 5 mil cruzeiros... Se pintasse 20, 30 quadros por mês, teria colocação certa, mas não dá... Em São Paulo, eles são vendidos “No Sobrado”, do meu amigo Hélio Grimberg. Também dou aulas na Escola Técnica de Manaus, sou professor de Desenho Técnico, o tempo não chega... Além disso, pesquiso, leio, escrevo, toco piano nos saraus dos amigos, converso, me divirto, aproveito os dias e noites de calor mais forte para tomar banhos memoráveis nos igarapés escondidos no nosso rio formidável... De 1958 para cá, já pintei uns mil quadros, interpretando a paisagem, o homem amazônico e o nosso folclore, que é dos mais ricos do mundo. 


– Considera-se um primitivo? Acha semelhança em sua pintura com a de Chico da Silva? 

– Não, não me considero um primitivo... Em pintura, como em tudo, na vida, sou um autodidata, não tive professor em arte nem qualquer influência... Faço uma pintura de raízes regionais, inspirada no mundo da Amazônia e nas recordações sentimentais da infância... Quando muito eu seria um primitivo folclórico erudito... Quanto ao Chico, conheci-o no Ceará quando lá expus certa vez, parece-me que ele era vendedor ambulante ou coisa assim, era meio amalucado, detraqué... Posteriormente vi seus quadros e gostei muito... Ele é um ingênuo em todos os pontos de vista... Não tenho intimidade com Chico da Silva, não o imito... Se tivesse de imitar alguém, preferiria Di Cavalcanti... 

Moacir Andrade acha estar a arte brasileira em extraordinário desenvolvimento, já existe um mercado de arte aqui, como na Europa – ele já viajou aos Estados Unidos e várias vezes à Europa – grandes galerias, bancos financiando a compra de quadros, leilões, etc. Moacir representa o Museu de Arte Contemporânea de São Paulo em Manaus e esta a par de toda movimentação que seu diretor, Walter Zanini, vem imprimindo aos movimentos de arte, principalmente estimulando os jovens e mais autênticos valores da pintura, escultura, desenho e gravura. 

– Os jovens recebem agora estímulo para fazer arte, e nós, os artistas de mais idade, continuamos com as bienais... Concorri a duas delas, e não quero mais saber... Acho válidos todos os movimentos de arte, do primitivismo à “pop arte”, à arte eletrônica – pois o homem não se escraviza cada vez mais à máquina? – à arte-objeto, aos múltiplos, etc... O artista è o intérprete do mundo e tem de fazer arte, hoje, até com computador... Um quadro não deve ser uma estória em quadrinhos, mas deve ter cada tema bem desenvolvido, deve ser um documento que represente e interprete a cultura do meio onde vice o artista, seu autor. 
A Coroa do Divino - Moacir Andrade
Acervo particular de Ricardo Barradas - RJ

Moacir Andrade conta de suas viagens, de suas andanças, pelo interior da Hiléia, fala dos estudos dos filhos jovens – Gracimoema, Graciema, Lúcia Regina, Maria do Carmo, Raimunda, Moacir Júnior. Seu dia começa às seis da manhã, toma café, lê (jornais locais e de São Paulo e Rio, mas só artigos assinados), sai, trabalha, pinta, almoça em casa (come de tudo, “sou boa boca”), vai à Escola Técnica, dá aulas, volta à casa, pinta, sai à noite, um pouco de andanças com os amigos, “uma vida de trabalho, de boemia, de vida solitária também”, confessa.” Não sou de rodinhas, sou paciente, não me aborreço facilmente, tenho um bom temperamento, a vida é tão efêmera... Gosto de ajudar as pessoas, abomino as guerras, os conflitos, somos afinal todos iguais, todos irmãos, com amor e paz pode-se construir um mundo melhor”, diz Moacir Andrade. O jornalista Altair Taury Filho, de “A Notícia”, diz que Moacir é o cartão-postal da arte amazonense, está sempre disposto a receber os forasteiros, gente famosa que leva também por Manaus em suas andanças curiosas, na sua perua Rural que anda de teimosa, com mil badulaques e defeitos insólitos. Moacir já se ergueu, fala como se fosse para si próprio: 

– Tenho corrido a Amazônia, o nosso Brasil, o mundo, aprecio muitas belezas, os museus, a arte contemporânea... Mas nunca permaneço muito tempo fora... Sinto o chamado da minha terra, uma desesperadora nostalgia me faz voltar à Amazônia, essa minha Amazônia, rica de colorido, sol, água, lendas, folclore... Volto voando, volto à jato, para rever tudo isso que me fascina e integra o meu cotidiano... Sinto correr dentro das minhas veias a água do Amazonas... Não é metáfora, não, pois é com essa água que mato a sede, e ela integra, portanto, a parte liquida do meu corpo... A Amazônia que progride com a Zona Franca, os incentivos fiscais, os turistas, a prosperidade de seu povo, essa a Amazônia da minha arte – feérica, telúrica, lendária, colorida, mágica e universal. 12/11/72. 

Um recriador da ecologia feérica e cósmica 

– Moacir Andrade submete, em disciplinados espaços de arte – galos de tapeçaria. Cintilação de mosaicos e magia de presépios – os paroxismos de seu diluviano zoorama, feérico epos de fauna: peixes, leviatãs, dragões, harpias, perlados de fria espuma e ocelados de recordações oníricas, à luz de um amarelo a um tempo telúrico e transcendente, apanha assim em tensa ronda a vida do grande rio e grava nos olhos de xerimbabos abissais a desmesura e selva, a cósmica, calada essência da Amazônia. – JOÃO GUIIMARÃES ROSA. 

– Não conheço nenhum outro grande pintor da Amazônia, outro que tenha sido assim tão carne e sangue de seu povo, que se tenha lançado á tarefa imensa de recriar em termos da arte, esse mundo sem fim... Moacir Andrade apossou-se da realidade amazônica em sua essência mais íntima... – JORGE AMADO. 

– Nas obras deste emérito pintor, estão cristalizadas toda a grandeza cultural do povo amazonense e a síntese de sua ecologia. Sua permanência aqui é por si só, uma contribuição permanente e, sobretudo uma garantia para a educação da juventude. Já o conhecia de nome, agora tive o prazer e honra de conviver com ele. – GILBERTO FREYRE. 

– Somente um filho da Amazônia seria capaz de captar com sensibilidade os costumes da grande planície amazônica com toda a vibração e originalidade que caracteriza o povo do Norte. – RAQUEL DE QUEIROZ. 

– Seu traço apanha o vivo, o movimento e dá graça às figuras. – VERA PACHECO JORDÃO. 

– Moacir Andrade fixou em seus quadros o cromatismo regional de sua terra; seus batelões, suas feiras e seus carregadores de bananas, são plenos de amazonismo. – JOSÉ GERLDO VIEIRA. 

– Moacir Andrade é o maior pintor da Amazônia. Ele a sente e por isso a expressa como ninguém ainda o fez, com a percepção maravilhosa da riqueza cromática da floresta, de espantosas tonalidades verdes. Ali, uma só cor apresenta fantástico matiz. Há múltiplos tons do verde que se caracteriza pela riqueza da clorofila, como em nenhum outro lugar da terra. Com seu pincel mágico, Moacir Andrade consegue integrar-se na paisagem e também integrar o observador. Pode-se dizer que é quase audível o vento que perpassa na folhagem e arrepia as águas. – BARROS FERREIRA. 

 – É uma pintura maravilhosa, que sempre me trará felicidade, pois levo-o comigo. Foi providencial a minha vinda aqui por Manaus. – MARGOT FONTEYN.

2 comentários:

  1. Parabéns pela postagem sobre o grande artista da Amazônia, Moacir Andrade, o trabalho aqui fotografado, titulado A Coroa do Divino - Moacir Andrade, é um dos maravilhosos trabalhos, do artista de minha coleção particular no RJ. Guardo o com muita honra, deste grande artista que foi meu mestre, amigo e professor sobre a cultura popular, a arte da Grande Floresta e o folclore amazônico.

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    1. Olá Ricardo, agradecemos por suas palavras e informações a respeito do artista e da obra que postamos. O texto foi originariamente publicado no livro ARTES REPORTAGENS de Luiz Ernesto Kawall. Parabenizamos por manter a obra em referência no seu acervo particular.

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